Biografia de Albert Einstein


Sumário

Capítulo 1 - Uma infância amarga
Capítulo 2 - Entre Mozart e Pitágoras
Capítulo 3 - O amor de Mileva
Capítulo 4 - A revolução de EInstein
Capítulo 5 - Os anos de sucesso
Capítulo 6 - Os anos do nazismo

Uma infância amarga

O inverno chegava ao fim em Ulm, pequena cidade situada às margens Danúbio. As pessoas passavam pelas estreitas ruas ainda encapotadas e com luvas, fugindo às poças de água, parando o aqui e ali para uma conversa rápida e um conhaque quente.

14 de março de 1879. Um dia como outro qualquer. Fim de Inverno na pequena cidade do Wúrttemberg. Um inverno cinza como o céu, o Danúbio, as poças de água, as casas ainda úmidas pela última chuva.

O homem nervoso que caminhava em direção ao hospital da cidade, inquieto e de cenho franzindo, contrastava com a paisagem cinza, imóvel, quase pintada por uma pincelada de vento leve e frio que não tinha folhas para brincar.

— Bom dia, herr Hermann — acenou-lhe alguém.
— Bom dia ... bom dia ...

Um bom dia distraído. Seu passo aumentou em velocidade, pois era preciso chegar logo ao hospital. "E aquelas contas a pagar ... Onde arranjaria dinheiro para tan-tas dívidas?"

As responsabilidades iriam aumentar agora, a família crescia e a oficina não dava o lucro esperado. E a única coisa que sabia fazer era trabalhar em mecânica ... Sua oficina eletrotécnica, que começara tão bem, agora passava dias sem receber um único cliente.

"Se tivesse nascido sapateiro ou ferreiro" pensou, "haveria sempre fregueses à espera e a situação não esta-ria tão angustiante!". Evitou uma poça de água e mordiscou, mais uma vez, o lábio. "Mas, diabo, não sei fazer outra coisa! E Paulina Paulina que tinha aquela mania de piano e poesia ..."

- Bom dia, herr Hermann! — Era a voz de Frida, uma amiga de família.
- Bom dia, frau Frida! - respondeu-lhe Hermann.
- É hoje o dia, então? - perguntou-lhe a mulher.
- Sim, é hoje - respondeu seco Hermann.

"É preciso encontrar uma saída. Com urgência, - pensou. Atravessou a rua a passos largos, apressados. O hospital era um prédio soturno, sem luz. Uma escadaria enorme de pedra levou o visitante ao vestíbulo, onde uma atendente o recebeu sem muita vontade.
"Sim, era o dia. O grande dia. Mas como pagar as dívidas?"

A enfermeira mostrou-lhe a sala de espera, onde outros senhores, quase todos de preto, esperavam silenciosamente. Sentou-se. "Um grande dia" resmungou entre si. "Um grande dia. E as dívidas?" Não esperou muito.

- Sua mulher teve um menino.
Um menino! "O que será dele, agora?". Uma pergunta angustiante, obsessiva. Casara-se com Paulina Kock há pouco mais de um ano. Não tinham muito, mas sempre dera para a manutenção dos dois.
"E agora? Agora somos três ... Agora sou pai de um menino. O que será dele?"

- Posso ver minha mulher?
- Se for por pouco tempo .

Paulina dava sinais de cansaço, mas recebeu o marido com um sorriso. A ousadia de um sorriso. E herr Hermann, um homem considerado frio e insensível, sentiu apenas vontade de chorar. Paulina, a Paulina que amava, estava tão feliz que seria impossível dar-lhe qualquer noticia desagradável. Ainda mais em se tratando de negócios, assunto que Paulina ignorava e detestava.

Teimou um sorriso. Conseguiu. E aquele sorriso pouco a pouco, tornou-se verdadeiro. "Sim, talvez uma mudança de paisagem, deixar Ulm para trás, seguir outro destino. Outra cidade, outros negócios, outra vida, outros vizinhos ... E Paulina certamente concordará, pois Paulina é doce, meiga e sensível.

Concordará em mudar para outra cidade, uma cidade onde não encontraremos, a cada esquina, os zelosos credores de nossas dívidas. Berlim, tal-vez Munique ..." Era preciso, agora, pensar em seu filho. Berlim, por ser a capital, poderia oferecer ao menino boas oportunidades. E Munique, por sua vez, possuía as maio-res universidades do país ...

- Que nome daremos ao menino? — perguntou.
- Albert - respondeu-lhe Paulina timidamente. - Gostei muito de Albert. É um belo nome, não acha?

"Sim, seria Albert". Teria gostado que o menino se chamasse Hermann, assim como ele. Seria um belo nome: Hermann Einstein Filho. Mas, pensando bem, do que adiantava mais um sofredor carregando seu próprio nome?

No hospital, entretanto, Paulina olhava para o pequeno Albert com encantamento. O filho recém-nascido era franzino, delicado, frágil com pouco mais de dois quilos. Seu estado inspirava cuidados, mas Paulina otimista. Tinha percebido uma certa frieza em Hermann, durante sua visita, mas já estava acostumada com o mau humor do marido. E seu filho estava lá, entre seus braços, estranhamente quieto. O que seria dele ? Começou fazer grandes planos "Talvez músico, pianista de renome..." Sim, tornar-se um grande pianista, para Paulina, seria o futuro ideal para o filho! Albert percorreria o mundo, seria aplaudido e amado pelo povo, respeitado e admirado pelos colegas.

Em sua oficina eletrotécnica, os planos de herr Hermann eram bem diferentes. Depois de ter conseguido dinheiro emprestado com um amigo joalheiro, herr Her-mann fazia as contas de quanto gastaria com uma viagem a Berlim, levando tudo, inclusive seus instrumentos de trabalho. A sua intenção era abrir uma oficina na. capital. E Albert, crescendo, o ajudaria, após ter completado os estudos.

De retorno ao lar, Paulina começou a preparar o berço do pequeno Albert, enquanto o marido tentava salvar a oficina do caos. Uma profunda mudança estava para ocorrer na família Einstein, com sucessivas modificações no caráter de herr Hermann, Paulina compreendeu que o marido tinha suas razões para sair de Ulm, mas a idéia não lhe agradou.

- Antes do fim do ano, temos de mudar disse-lhe urna noite herr Hermann, durante o jantar.
- Você sabe o que faz. Mas para onde vamos" —perguntou-lhe Paulina.
- Ainda não sei. Talvez Berlim, talvez Munique...

Antes de Albert completar um ano de idade, a familia começou a arrumar as malas, com destino a Berlim. Na capital, hospedaram-se tia casa de parentes. Mas a grande cidade, com seus teatros, cafés-concertos, sua vida agitada e intensa, para Hermann e Paulina uma pequena e tranqüila cidade do sul,significou apenas confusão. Por algum tempo, herr Hermann procurou alguém para uma sociedade na oficina. Berlim, porém, unta cidade grande demais, onde todos desconfiavam de tudo. Quem era aquele "caipira" de Ulm para manter uma oficina na capital? Hermann percorreu todos os lugares possíveis à procura de emprego, sem resultado. Os aluguéis eram altíssimos e havia dificuldades de moradia. O dinheiro da venda de sua oficina em Ulm não daria por muito tempo para manter a família na capital. A resposta, talvez, estivesse em Munique, capital da Baviera, de costumes mais próximos aos de Ulm. Lá não se sentiriam estranhos. E assim herr Hermann resolveu novamente arrumar as malas e tentar a realização de seu sonho em Munique.

- Vamos embora outra vez? - perguntou-lhe Paulina.
- Sim, a vida aqui é muito cara e não encontro emprego - explicou-lhe o marido. - Em Munique abrirei uma oficina em sociedade com Jakob, meu irmão. O menino já estava mais forte e robusto, pesava alguns quilos a mais, não havia preocupações em alimenta-lo. As malas foram arrumadas novamente, com grande alivio dos parentes que os hospedavam e do mesmo Hermann, cujo constrangimento, por não ter conseguido arrumar um emprego, tinha-se tornado latente.

Na viagem de volta para o sul, herr Hermann procurou justificar-se e consolar a mulher, explicando-lhe que, na capital bávara, suas possibilidades eram maiores, pois tinha amigos prontos a ajudá-lo e O auxilio do irmão Jakob, cuja sociedade na oficina já estava decidida.

- Você sabe o que faz! — Era a expressão predileta de Paulina quando não queria discutir com o marido, este cada vez mais confuso e desesperado vendo o tempo passar sem conseguir fixar-se definitivamente num emprego.

Em Munique, herr Hermann e o irmão Jakob conseguiram equilibrar as finanças. As duas famílias instalaram-se na cidade com uma certa precaução. Aos poucos, porém, sentiram-se satisfeitas. A capital bávara era, naquela época, uma Berlim em miniatura, embora sua vida não possuísse a agitação e a confusão da grande cidade do norte. Paulina, doce e sentimental, deixou-se logo envolver pelo ambiente cultural da cidade. Desligou-se ainda mais dos negócios do marido, condensando sua vida e repartindo-a entre o filho e a execução, ao piano, de seus compositores românticos favoritos.

E assim Albert foi crescendo, embevecido mais pelo romanticismo da mãe do que pela autoridade e austeridade do pai. Tudo corria normalmente. Mas quando completou dois anos, começaram a surgir os primeiros problemas, materializados por insinuações de vizinhos e amigos.

- Não acha estranho, Paulina, que o menino ainda não tenha dito nenhuma palavra? Já está na hora dele falar! Paulina desculpava o filho dizendo-o tímido e encabulado. Também herr Hermann, todavia, começou a perceber algo errado com o filho. Até então, acostumado a passar o dia fora de casa, sempre preocupado com seus negócios, não tinha se dado conta de que Albert, até aquele momento não tinha tentado uma frase, sequer articulado uma palavra. Era um menino que passava despercebido em qualquer reunião de família. Suas tentativas em falar resumiam-se a alguns balbucios e nada mais.

Herr Hermann participou suas dúvidas à Paulina.

-Não se preocupe, Hermann! O menino é apenas tímido — tentou defendê-lo a mãe.
- Tenho sentido que Albert gosta muito de música. Toda vez que toco, ele fica calmo e pensativo, quase sonhando, ao meu lado. Uma tentativa de mãe para encobrir a possível deficiência do filho e vesti-la com seus sonhos.

Mas, de fato, a primeira reação positiva de Albert foi para a música. Toda vez que a mãe tocava ao piano seu interminável Chopin, Albert sentava-se quieto e ouvia a execução até o fim, com ar extasiado.

- Você acredita mesmo que não há nada de anormal com o menino? — insistia herr Hermann. — Claro que não! — respondia invariavelmente Paulina. — Não se preocupe, o menino é normal!

Albert, todavia, crescia num ambiente de desconfiança. Paulina estava grávida novamente e herr Hermann, preocupado com os sintomas de anormalidade do filho, resolveu um dia levá-lo ao médico.
Nada de excepcional foi encontrado, mas vizinhos e amigos do casal continuaram a olhar com reservas o crescimento do menino. E os falatórios não cessaram. Aos poucos, porém, Albert foi  desmentindo sua excepcionalidade negativa, pelo menos quanto ao falar.

Após o nascimento da irmã, Maja, acontecida no fim de 1881, ele conseguiu, com aproximadamente très anos formar sua primeira frase.

Não gostava muito de brincar com as crianças vizinhanças. Ficava. as vezes, quieto e solitário no pequeno jardim que sua família compartilhava com a do tio Jakob. Quando outras crianças vinham brincar com a irmã, dificilmente ele tomava parte nas brincadeiras, preferindo jogos que exigiam paciência e raciocínio.

Um de seus passatempos preferidos consistia em levantar castelos de cartas geometricamente perfeitos. Enquanto procurava entender e explorar o mundo ao seu redor, sentia-se, porém, agredido por muitas questões. Não gostava de estar sendo posto à prova a cada passo, principalmente com perguntas cretinas.

- Quantos anos você tem? Onde mora? Qual é o nome do seu pai?
Essas perguntas valiam como teste de capacidade e Albert entendia o seu drama e mais se complicava. Às vezes, não respondia a tais inquéritos idiotas, só para deixá-los mais confusos.

Quando completou sete anos, foi colocado na Escola Elementar de Munique, um colégio católico, para aprender as primeiras letras. O colégio dava ênfase especial à história, geografia, língua alemã, aritmética e, claro, às aulas de religião católica. As primeiras notas trazidas para casa foram bem baixas. E a situação não melhorou nem com o passar dos meses.

As notas permaneciam abaixo da média, menos em aritmética. As noções de geografia, história e língua alemã não entravam na cabeça daquele menino franzino, que passava grande parte das aulas pensativo, com o olhar perdido em algum ponto distante. E não conseguia nem amigos. As notas baixas fizeram com que o pai concluísse definitivamente ser seu filho um retardado, ou pelo menos um anormal.

Eram a prova de que precisava. Paulina, ao contrário, pouco se importava com o insucesso do filho na escola. Defendia-o e até mentia para os parentes. ''Ontem, trouxe seu boletim" escreveu certa vez para a avó. "Continua sendo o primeiro da classe e suas notas são brilhantes". Mentiras de mãe. Bastava-lhe apenas a presença física de Albert e Maja, enquanto tocava ao piano seu adorado e triste Chopin. E o menino, nessas ocasiões, mostrava-se atento e emocionado,Todavia, percebia-se nele uma certa apatia pelo piano e um gosto especial pelo violino, um instrumento tocado pelo tio Jakob.

E Paulina, que sentia esta predileção, ainda aguardava no íntimo o sonho de ver o seu Albert, um dia, realizado como músico. Mesmo que fosse um grande violinista. O que Paulina não conseguia evitar era a animosidade de herr Hermann para com o garoto devido as suas notas baixas.

Conversando com parentes e amigos, uma noite, herr Hermann acabou por definir o filho de forma cruel, fazendo Paulina chorar.

- Como vai o pequeno Albert na escola? — pergun-tou-lhe um vizinho. — Muito mal — respondeu Hermann. — Suas notas são baixíssimas. Possui uma inteligência muito limitada, para não dizer nula ... — Não acredito — disse gentilmente o vizinho. — Você quer saber? — retrucou amargamente o me-cânico. — Albert é simplesmente um retardado mental! — Pare, Hermann! Pare ... Não diga isso! — pediu-lhe Paulina, começando a chorar.

Para o menino, esta cena foi vital. Ele a presenciara, escondido. Retardado era uma palavra nova em seu vocabulário. Não sabia seu significado, mas percebia ser algo monstruoso, pois tinha sido dita com raiva pelo pai e tinha feito chorar a mãe. Essa acusação marcou-lhe toda a infância. Ficou com aquela palavra na cabeça por mui-to tempo, não sabendo como contradizê-la. Retardado. Era um retardado. Não aprendia as lições.

Tentou desmentir o pai, prestando mais atenção às aulas, estudando mais. Mas não tinha a concentração necessária para aquelas matérias exigentes mais de memória que de compreensão e de raciocínio. História e geografia tinham que ser decoradas, assim como as declinações em alemão.

Decorar era a palavra-chave. Ninguém pedia compreensão. Ou se decorava ou se era vítima dos mestres, poderosos e donos da verdade. A rigidez da educação da Escola Elementar bávara esmagava-o. Por ser tímido não respondia às provocações dos colegas. Por ser fraco, sequer tentava um ato de violência, ainda que em defesa própria. As proibições constantes dos mestres, Albert respondia com maior recolhimento interno.

Não entendia o porquê de tudo aquilo. Parecia-lhe que todo o mundo era contra si. Não havia uma palavra de amizade. Seria mesmo um retardado?

Um dia descobriu o motivo de tanta agressividade durante a aula de religião. Como o colégio era católico estudava-se a vida e Jesus Cristo. O professor entrou na classe com um enorme prego à mão.

- Sabem o que é isso? - perguntou levantando objeto bem alto. - Ora, um prego: - responderam todos. O professor deixou escorregar seu olhar sobre a classe se, apontou e fixou os olhos em Albert. - Você também julga ser um prego, Einstein? - Sim - respondeu Albert timidamente. - Acho .. acho que é um prego ...

O professor levantou novamente o objeto bem à mostra.
- Pois saibam todos que, com um prego semelhante a este, os judeus pregaram Cristo na cruz. - Fez uma pausa de efeito, depois sorriu malignamente. - Foi com um prego igual a este, não é verdade, Einstein? - perguntou-lhe. A voz do mestre, ácida e rancorosa, seguiu-se um estranho silêncio.

Albert baixou os olhos, sentiu-se violentado, esmagado. O silêncio foi quebrado por uma risada maldosa, depois mais uma, ainda mais uma. A classe inteira começou a rir olhando para ele. Depois começaram os insultos sob o olhar complacente do mestre. — Matador de Cristo! — Judeu assassino! — Reconheceu o prego, hein? Reconheceu o prego, seu assassino?

Naquele dia, Albert sentiu-se ainda menor. A humanidade inteira estava contra ele, agora tinha certeza! O pai chamava-o de retardado, os colegas o maltratavam por ser judeu. Não via, porém, nenhuma culpa em ter nascido judeu, nem entendia tanta agressividade desabando sobre si.

Começou a chorar e, quanto mais chorava, mais riam dele. Ficou traumatizado. Quando chegou em casa, estava ainda com os olhos avermelhados. Paulina percebeu logo que tinha acontecido algo.

- O que foi, Albert? Nada, mamãe! — ele respondeu.
- Vamos, Albert! Conte me tudo, insistiu a mãe.
- Nós judeu, somos diferentes?-  perguntou-lhe baixinho.

- Não, Albert! - disse - não somos diferentes. Queria explicar ao filho, mas não sabia como.

Não ligue, Albert! Não ligue - conseguiu apenas responder. — Nós somos como todos, sem diferença nenhuma ...

Desde aquele dia, conviver com os colegas tornou-se, para Albert, um suplicio. E uma tortura tornou-se enfrentar os mestres sempre mais preconceituosos e cruéis. O clima de hostilidade era constante, deixando-o prostrado e cansado de tanta crueldade sem sentido.

Foi nessa época que nasceu seu cultivo pela solidão. Queria ficar só. A simples presença física de alguém o agredia. Acostumou-se a ficar na defensiva, sempre que alguém lhe perguntava algo. Emparedou-se. Os sofrimentos de Albert na escola não passavam despercebidos a Paulina. A mãe não sabia ao certo o que lhe ia à alma, mas sentia o filho sempre mais distante, cada vez mais só.

Parecia particularmente absorto no estudo do violino, instrumento que acabara por conquistar definitivamente sua preferência. A música e seus sonhos de longas viagens por mar acalmavam-lhe os nervos, davam-lhe a paz necessária, criavam ao seu redor um mundo diferente, particular, íntimo e inatacável.

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Entre Mozart e Pitágoras

Herr Hermann, indiferente à música e à poesia tão bem cultivadas pela mulher, pouco ou nada se im-portava com o filho. Despreocupara-se de Albert, absorvendo-se ainda mais nos negócios de sua oficina.

Albert, por sua vez, só esperava o término do curso primário para deixar aquela escola que tantos malefícios causara à sua personalidade. As notas continuavam baixas, mas sempre davam para a devida promoção de ano para ano.

Um dia, o tio Jakob deu-lhe de presente uma velha bússola de bolso. Para Albert foi uma descoberta. Começou a passar todo seu tempo livre com o aparelho na mão. Ia para o jardim, divertia-se a girar a caixa e ficava sempre entusiasmado e curioso por aquela agulha teimosa que ficava apontando sempre para a mesma direção. Para onde apontava? E por quê? Eram as indagações simplórias de todo e qualquer menino, mas Albert ficava intrigado, queria saber o porquê verdadeiro daquele fenômeno.

A bússola começou a ser algo de vivo para ele, quase uma amiga estável e coerente nas horas de depressão e de angústia. Tirava o aparelho do bolso, ficava olhando aquela agulha teimosa, tentava, sem resultado, às vezes, empurrá-la para outra direção. A agulha oscilava, debatia-se, voltava rápida a apontar para a roseira raquítica que crescia num canto do jardim. — Por que a agulha sempre aponta para aquele lugar? — perguntou ao tio. — Porque lá está o Pólo Norte — explicou-lhe herr Jakob. — E por que ela aponta sempre para o Pólo Norte? O tio explicou-lhe o princípio da bússola, falou-lhe do magnetismo, contou-lhe a história de seu descobrimento. Albert ficou entusiasmado. Nos dias seguintes começou a aprofundar o assunto dedicando-lhe as horas livres e deixando de lado as lições exigidas pelos mestres do colégio. Pouco se importava com as notas baixas em geografia e em religião. Saber como era feita uma bússola e quais os princípios que a regiam, interessava-lhe  muito mais.

Pouco tempo depois aconteceu a segunda grande libertação em seu espirito inquieto e solitário. Um estudante, frequentador e amigo da família, deixou-lhe um livro a de geometria. Albert, tão tímido quão curioso, levou livro para seu quarto, começando a folheá-lo. Tinha pouco mais de nove anos. A medida que lia os teoremas daquele livro misterioso, começou a entender certas particularidades matemáticas nunca descobertas durante as aulas.

Parecia-lhe que aqueles problemas eram velhos conhecidos. Leu e releu o livro numa semana, resolvendo quase todas as questões como se estivesse de há muito familiarizado com a geometria.

Deixou o colégio elementar de Munique pouco d-pois, com alguns conhecimentos matemáticos, mas assim mesmo abominando, não só o ambiente que o cercara durante todos aqueles anos, mas também aquelas disciplinas que exigiam-lhe apenas memória e nunca com-preensão.

Terminado o curso primário, foi matriculado no Ginásio Luitpold, escola estadual onde, pelo menos, ficaria livre dos ataques constantes dos professores católicos. O primário tinha sido um desastre, mas Albert nutria a esperança de obter, no ginásio, um pouco de paz e conhecer novos colegas e professores diferentes daqueles que deixava para atrás. Alguns meses depois do início das aulas, os professores do Ginásio Luitpold não conseguiam entender aquele jovem de cabeleira desarrumada, franzino e ensimesm-do, que conseguia obter notas altas em matemática e notas baixíssimos em história e geografia.

Um dos professores, todavia, conseguiu captar a personalidade do jovem. Herr Reuss, que simpatizou logo com ele e que percebeu, inclusive, seus sofrimentos e d-sajustes ao meio ambiente. Procurou, então, cativá-lo. Herr Reuss era mestre em literatura alemã clássica. Herr Reuss foi um dos poucos professores do Luitpold a perceber a inteligência abstrata do menino. Sentia uma predileção invulgar pelo aluno tão tímido que passava despecebido aos demais mestres.

A vida de Albert não se modificava muito do dia para dia. Continuava ouvindo a mãe tocar ao piano seu interminável Chopin, mas já começava a descobrir a dor sólida e profunda de Mozar camuflada pela pureza de seus versos sonoros. Uma música tão perfeita quanto a geometria que agora tinha descoberto!

Os dramas de Shakespeare, a lucidez de Goethe e o lirismo de Schiller povoavam sua mente, passando a fazer parte da própria existência. A experiência da bússola, porém, o tinha deixado intrigado. Queria saber mais sobre aparelhos. Assim, algumas vezes, fazia pequenas incursões à oficina do pai, tentando desvendar os mistérios daqueles aparelhos complicados. Com medo de fazer perguntas e atrapalhar o serviço, perdia horas brincando com os instrumentos, desmontando-os, tentando perceber seu significado e sua utilidade.

Assim, as fugas para a oficina paterna tornaram-se constantes, o que deixou herr Hermann intrigado, e ao mesmo tempo, levemente satisfeito pelo novo interesse do filho. Afinal, Albert parecia ter encontrado seu caminho, esquecendo a música e a literatura para as curiosidades da oficina mecânica. Uma revelação!

O que teria sido a causa de semelhante mudança? O relacionamento entre pai e filho intensificou-se. Antes, eram dois estranhos convivendo na mesma casa, fazendo suas refeições à mesma mesa, um "bom dia” de manhã e um "boa noite" na hora de dormir, sem nenhum outro interesse comum. Agora, para o pai, o milagre estava realizado. O rapaz deixava o convívio com a mãe e suas pautas musicais para ficar consigo, absorto e perdi-do entre as maquinarias e as graxas da oficina. Contente com a súbita modificação do filho, herr Hermann comprou-lhe um macacão para que não sujasse a roupa.

Sua velha esperança, de que um dia o filho viesse a ocupar a gerência da firma, tomava consistência, estava prestes a se realizar. Certo dia, herr Hermann estava em seu escritório discutindo negócios com o irmão, quando entrou um empregado de olhos brilhantes e quase sem respiração.

- O que foi, Hans? — Ele consertou, herr Hermann .. Ele consertou ... — balbuciou o homem.

Aquele foi o dia mais feliz de herr Hermann. Seu filho, sem o menor conhecimento prático, havia consertado um aparelho sofisticado de mecânica. Quem poderia acreditar? Saiu correndo ao encontro de Albert.

- Como foi, Albert?
- Não sei, apenas comeceis mexer aqui .

 Herr Hermann, ainda perplexo, abraçou e beijou o filho, agradecendo aos céus por aquele instante de alegria e felicidade.

Albert não percebeu o alcance e as razõess de tanta alegria, mas sentiu-se feliz pela manifestação de carinho, por parte do pai e do tio. Aquele dia foi comemorado com uma festa pelos Einstein!

Albert havia nascido novamente para herr Hermann, que ainda nutria grandes reservas quanto à inteligência do filho. Mas agora não,  passava a ser alguém normal, certamente o futuro gerente da oficina dos irmãos Einstein.

Paulina, ao contrário, pressentiu que algo tinha frustrado suas esperanças quando viu chegar pai e filho abraçados e contentes. Hermann não era disso! Contado o grande feito, Paulina percebeu que a música tinha começado a perder, para sempre, um grande concertista.

- Você gosta da oficina, Albert? — perguntou-lhe desiludida.
- É divertido.
- Hoje é um grande dia — cortou herr Hermann_ —Albert consertou seu primeiro instrumento sem que ninguém o ajudasse. Uma façanha!
-  Você quer trabalhar na oficina, Albert? — insistiu a mãe.
- Não sei. Ainda não sei, mamãe. Tenho que estudar...

Herr Hermann colocou-lhe uma mão no ombro.
- Claro que gostou! Não é verdade, Albert? Claro que você gostou!
- Claro! — acrescentou herr Jakob. — Albert é um homem.

 Ele percebeu uma certa aflição na atitude materna mas nada disse. O pai estava feliz, ele próprio estava feliz, pois descobrira pela primeira vez o carinho do pai e a admiração do tio. Sentia-se amado e respeitado. E isso era bom!

A rotina de Albert não se modificou durante muito tempo. No colégio, as coisas continuavam na mesma. Notas baixas em história e geografia e notas altas em matemática e literatura.

O Ginásio Luitpold não conseguia preencher o vazio que lhe ia por dentro. O tio Jakob, que agora o respeitava e admirava seu alto poder de raciocínio, conversava com ele mais freqüentemente. Foi ele quem primeiro explicou-lhe o teorema de Pitágoras: "A soma dos quadrados dos lados de um triângulo retângulo é igual ao quadrado da hipotenusa".

Albert ficou fascinado. Juntamente com o tio, descobriu uma maneira de provar o teorema, o que lhe deu uma satisfação jamais experimentada antes. Quanto aos concertos privativos da mãe, agora o entediavam, embora continuasse a freqüentar suas aulas de violino. E a oficina do pai e do tio representava apenas uma nova experiência, um jogo, onde poderia pôr em prática a teoria que lhe ia à mente. Na oficina era respeitado pelos empregados, além de sentir-se mais junto do pai e mais senhor de si. Na escola, nada de novo. Apenas mais um estudante, dispersivo, chamado à atenção constantemente pelos professores.

 Os amigos de herr Hermann perceberam a mudança e o orgulho que agora o pai denotava quando se referia ao filho. Agora não era mais um retardado, um débil mental! Passara a ser uma esperança para herr Hermann, embora Paulina continuasse suspirando pelos quatro cantos da casa, descrente de um futuro tão sem graça para o filho. Apesar da felicidade de ter o filho junto a si na oficina, herr Hermann continuava, entretanto, preocupado.

Após um breve período de prosperidade, os negócios tinham começado a declinar, inspirando nos dois irmãos sócios uma justificada dose de pessimismo. Os lucros não vinham e a situação enfrentada em Ulm, ao tempo do nascimento de Albert, parecia estar prestes a se repetir. O filho ajudava bastante o pai e o tio na oficina, consertando instrumentos e improvisando modificações em apa-relhos de precisão e medição. Mas a situação estava péssima.

Tornou-se necessário despedir os empregados, as contas a pagar começaram a se avolumar e o dinheiro a escassear. Herr Hermann e o tio Jakob começaram novamente a ficar preocupados com o destino da oficina e das respectivas famílias. Herr Hermann queria que Albert estudasse em bons colégios e depois de formado, que se dedicasse totalmente à oficina, talvez com mais sorte que ele.

Já tentara tudo, mudara-se de Ulm para Berlim, de Berlim para Munique. Sem resultado! Cada vez se tornava mais difícil conseguir empréstimos para aumentar o capital da firma. E a concorrência era também cada vez maior.

Em 1894, herr Hermann, sempre mais aflito, começou a pensar na maneira mais viável de sair daquela situação penosa. Estava novamente inclinado a deixar Munique, junto com o irmão. Mas para onde? Decidiu-se por Milão, na Itália.

Na primavera de 1894, a família Einstein desmembrou-se. A doce Paulina e o frio Hermann seguiram para a Itália juntamente com Maja e a família de Jakob, deixando em Munique um rapaz esquálido dando adeus, meio sem jeito e com vontade de chorar. Para Albert, era a primeira separação dos pais e não havia como consolá-lo.

Em Milão, o casal Einstein arranjou uma casa na rua Bigli e escreveu a Albert confirmando a satisfação de estar na Itália, numa casa antiga, mas de rara beleza. Para Albert, todavia, a ida dos pais para Milão pareceu coincidir com o aumento das hostilidades por parte dos colegas, que continuavam brincando com sua timidez, aproveitando-se da ausência total de reações.

Albert sempre fora um pacifista e não acreditava em agressões, fossem quais fossem! Por isso, levava sempre a pior nos ataques coletivos dos colegas contra sua origem judaica ou sobre seus conhecimentos matemáticos, origem principal da inveja que desencadeava. Mais uma vez, refugiou-se na amizade de herr Reuss, o único mestre que o admirava e o respeitava.

Os professores de matemática, ao contrário, surpreendiam-se com seus conhecimentos, mas não gostavam dele. A única salvação era o mestre de literatura clássica, sempre pronto a dar-lhe uma palavra amiga e a aconselhá-lo nas leituras.

- Ser ou não ser judeu, eis a questão!
A frase adaptada do Hamlet tinha razão de ser. Na vida prática, as pessoas eram um eterno ser ou não ser. Mas. o que fazer? Quando Paulina estava Poderia ouvir-lhe a música a em Munique, a musica e assim escapar às agressões do meio. Mesmo a oficina do pai servia-lhe de válvula de escape. Agora, não. Agora estava sozinho. Com o passar do tempo, as pessoas incumbidas de ajudá-lo na ausência dos pais foram se esquecendo de suas responsabilidades, absorvidos pelos próprios problemas. Cada vez sem ter com quem conversar e, pior, sem ter mais livros e mestres que o ensinassem. Já conhecia tudo sobre "cálculo '. Agora precisava apenas ampliar seus conhecimentos, mas não havia quem  ajudá-lo. A solução era embarcar para Milão. Sonhava agora á com a Itália, deixando o resto de lado.

Pouco se importava com os outros, com a sociedade, com os amigos, com o colégio. Era preciso sair de Munique, voltar para perto dos seus. Quem sabe, uma carta resolveria o problema?

Um episódio desagradável, um dos tantos que foi obrigado a sofrer em sua infância, fortaleceu ainda mais sua determinação. Durante uma aula de matemática, o professor, evidentemente com raiva dos conhecimentos do aluno, perdeu a paciência.

- Einstein, venha cá! — gritou-lhe.

Ficou pálido, desprotegido

- Einstein — sibilou o professor —, devo informá-lo que seria uma grande satisfação, para mim, se você deixasse a escola.

- Não fiz nada de errado, professor — conseguiu balbuciar, enquanto sentia-se enrubescer pela vergonha.
-  Nada de errado, Einstein — respondeu-lhe gelidamente o professor. Isso mesmo, Einstein! Nada de errado. Você nunca faz nada de errado em matemática, entende? Sua simples presença faz com que a classe inteira perca o respeito que me deve!

Voltou para casa determinado a escrever aos pais, contar tudo à mãe e pedir ajuda. A carta saiu meio sem jeito, cheia de desculpas. A resposta veio rápida para Albert, com um apelo. "Não podemos buscá-lo, venha assim que puder. Procure ajuda!" Albert, então, conseguiu um certificado do médico da família, atestando que, por razões de saúde, deveria se transferir para a Itália, junto aos pais. E de seu professor de matemática obteve uma declaração especificando que seus conhecimentos da matéria eram de nível universitário. Com os dois documentos no bolso, despediu-se de todos.

Instalado em Milão, livre das obrigações escolares, Albert passou dias felizes, fazendo longos passeios e se aquecendo ao cálido sol peninsular. Vagava pelas bibliotecas e pelos museus da cidade, lia avidamente e à noite tocava seu inseparável violino. E sonhava: continuava sempre o mesmo sonho. Embarcar em algum navio para qualquer lugar, só pelo amor de viajar e conhecer novas terras.

Dava largas à sua natureza nômade, ao mesmo tempo que estudava arte e filosofia. Foi nessa época que nasceu, naquele rapaz baixinho e esquálido, a vontade de perscrutar os diversos horizontes do saber.

Herr Hermann e o tio Jakob continuavam ainda a longa tentativa de resolver seus problemas financeiros. Era preciso que Albert escolhesse logo uma carreira e começasse a ganhar seu pão.

- O que você fez hoje, Albert? — perguntava ao filho.
- Fui no museu, papai. Você já foi?
- Não, ainda não encontrei tempo ... — murmurava herr Hermann.

Albert estava alegre, até mais corado. Conversava mais com os pais e com Maja, às vezes até brincava com a irmã. Estava tão feliz e despreocupado que não se dava conta dos problemas do pai. Gostava de Milão. Aos poucos, todavia, começou a perceber que havia uma enorme barreira para seus estudos: não dominava a língua italiana. O desconhecimento do idioma obrigou-o, então, a pensar numa mudança. Dessa vez, a iniciativa seria sua. Seria ele que iria comunicar sua transferência para a Suíça, quase com certeza para Zurique.

Mas antes gozaria a paisagem italiana, vagaria por teatros, museus, bibliotecas, vivendo sua natureza dispersiva sem preocupações. Estava com quinze anos e esperava entrar no Politécnico de Zurique em 1895, quando completaria dezesseis anos. Sentia a necessidade de reiniciar logo seus estudos, pois via nas feições do pai que as coisas não iam tão bem nem em Milão. Herr Hermann, de fato, começava a mordiscar os lábios com freqüência, cacoete prenunciador de tempestades financeiras. Albert, que já conhecia o sintoma, resolveu, então, falar de seus propósitos durante o jantar, assim como fazia sempre herr Hermann.

- No começo do ano gostaria de fazer exame no politécnico de Zurique -  disse uma noite, rapidamente,  -- esperando depois em silêncio a reação dos pais. Herr Hermann meditou um pouco, o tempo de engulir uma colher de sopa.

- Se você quer, está bem — disse-lhe depois.
- Pretende ser engenheiro ou algo assim? — perguntou-lhe Paulina.
- Professor, mamãe. O curso é rápido e me formo logo.
- Se te faz feliz, está bem para mim — consentiu tristemente a mãe.

A situação da família continuava, todavia, desequilibrada. Herr Hermann teria de fazer um grande sacrifício para enviar Albert para Zurique, mas seria compensador, pois o rapaz acabaria se formando logo e arranjando um bom emprego; poderia, assim, contribuir com as despesas da casa.

Os Einstein deixaram logo em seguida a casa da rua Bigli, muito cara para o orçamento da família, mudando-se para a cidade de Pávia, num casarão antigo em total decadência e que fora, na época napoleônica, a habitação de Hugo Fóscolo, um dos maiores poetas românticos italianos.

Foi logo depois da mudança que Albert começou a preparar suas malas. Isso deixou-o meio sonhador e eufórico. Gostava de arrumar-se para empreender qualquer viagem, gostava da viagem em si, parecia-lhe estar prestes a partir para uma de suas grandes aventuras em algum navio de alto mar. Toda vez que se dispunha a viajar, seus pensamentos divagavam por outros sítios, por solitárias e verdes ilhas perdidas no oceano. Um sonho que não passava de ficção. Ele mesmo sabia-se tímido, incapaz de sobreviver a uma aventurosa viagem desse tipo. Tinha consciência que nunca. realizaria esse sonho, talvez por isso continuasse a sonhá-lo ... Em Zurique ... bem, em Zurique poderia manter contatos com os maiores mestres da época, estudar, aprender. A cidade possuía uma vida intelectual muito intensa.

- Não esqueça a roupa de lã. Na Suíça faz muito frio, meu filho!
- Sim, mamãe. Não esquecerei. Palavras. As pobres e sólidas palavras para disfarçar a tristeza da despedida. Paulina sabia que, desta vez, Albert  viajaria para sempre, que nunca mais voltaria a morar com os pais. Mas sua tristeza não poderia influenciar a vontade do filho em estudar e tornar-se professor, o futuro dele estava em jogo. Então procurava mostrar-se alegre, imaginando o grande sucesso que Albert faria no campo do magistério, ensinando na universidade a milhares de alunos. Já não sonhava mais com seu Albert compositor erudito ou mesmo grande concertista. Isso já fazia parte do passado, dos sonhos e das esperanças. Agora era a vida prática, real, concreta que reclamava sua parte. E quase sempre era a maior parte da vida de um homem. As vezes, era tudo. Mas a realidade pesava-lhe. Olhou para o filho. Já se tornara homem, adulto, responsável. Sabia o que queria. Sorriu. 

-Em que pensas, mamãe?
- Não é nada, não, meu filho! Ponha este casaco na mala.

Palavras, sólidas e queridas palavras inventadas para esconder nossos sentimentos, nossas frustrações, nossos fracassos interiores. Por que chorar?

Em sua oficina, rodeado por um sem número de aparelhos, herr Hermann procurava distrair-se para que sua cabeça não estourasse. Estava cansado de levar aquela vida de devedor permanente, nunca conseguindo a tão esperada estabilidade financeira. Entre montes de papéis, contas a pagar, aparelhos ainda não consertados, Her-mann procurava não lembrar-se da viagem do filho. Preferia pensá-lo consertando peças em sua oficina de Munique, com seu jeitinho esquisito e silencioso.

Sim, o menino parecia levar jeito com a coisa. Aos poucos, porém, sem que nada tivesse acontecido, não aparecera mais na oficina. Herr Hermann, até agora, não sabia o porquê. Nunca mais dissera nada ao filho, mas sofrera muito com a decepção de não vê-lo tomar seu lugar e dirigir a oficina, juntamente com Jakob. E agora? Agora Albert ia partir. Ficaria longe. Talvez, aos poucos, até se esquecesse dos pais. Iria entrar em contato com sábios, mestres, ambientes sofisticados. O que ele poderia oferecer ao filho, em troca? Seria muito pouco para Albert trabalhar numa oficina e acabar seus dias como ele, cheio de dividas e preocupações. Respirou forte com o nariz e esfregou os olhos que ardiam. Por que seus olhos estavam avermelhados? "Talvez precise de óculos!" — resmungou entre si, procurando convencer seu outro eu, o inflexível e austero herr Hermann.

Albert percebeu a mudança na fisionomia dos pais. Ele próprio sentia muito ter que partir, mas não havia outro jeito. Na Itália,  não conseguiria vencer, em curto prazo,os problemas da língua e entrar numa universidade. Percebia que uma mudança era a grande solução para seu futuro. Longe dos pais teria mais tempo para recompor sua vida, seus objetivos. E sem interferência paterna e materna. Quanto à solidão, já se acostumara tanto a ela que nem mais a sentia como sofrimento. Ao contrário, tirava proveito dela. Gostava de ficar só, meditando, criando seu próprio mundo. A realidade estava cheia de amolações, criava problemas sem sentido para ele.

Percebia não ter a mentalidade prática para os negócios. Não pertencia ao mundo paterno, onde as transações comerciais eram a vida. Não, não era um homem prático, mas sim um teórico!

Nesse ambiente de autocríticas, Albert partiu para Zurique. Seus propósitos eram simples: formar-se e ensinar outros jovens. Sua vocação estava nos livros, nas teorias universais, na matemática abstrata, na sensatez da geometria. Não conhecia ninguém em Zurique. Tanto melhor! Poderia viver ainda mais absorto nos estudos, longe maledicências mundanas, dos problemas do ter e haver a que o mundo nos obriga. Os insucessos financeiros do pai sempre o abatiam, eram a rotina diária em sua casa. Agora queria ficar livre disso! Não possuía a ambicão paterna. Ganhando o necessário para viver tudo estava bem. O ambiente em sua casa lhe embaçava a mente. Não entendia, tantos atropelos por nada. Afinal, sempre vinham conseguido o bastante para comer e se vestir!
Não, Albert não entendia o pai. E não entendia o mundo dos homens. Sua resposta era a solidão.

Chegou em Zurique numa tarde ensolarada de outono, grande edifício do Politécnico pareceu-lhe mais um santuário do que uma faculdade, rodeado por bosques verdejantes e largas alamedas. Foi bem recebido, juntamente com dezenas de outros estudantes provenientes de todas as partes do mundo. O colégio possuía hospedagem própria para os alunos de fora, e isso animou Albert que, assim, poderia poupar as escassas economias que que Hermann lhe havia dado antes de viajar.

Após breve recepção por parte doo encarregados do colégio, Albert foi acompanhado ao seu quarto de hóspede, um imenso salão repleto de camas lindas e bem arrumadas, com ligeiro cheiro de hospital. A alegria pela gratuidade da hospedagem, porém, secou-lhe instantaneamente, pois percebeu que teria que conviver com estudantes de todas as nacionalidades, dormir no mesmo salão. assim como se estivesse no exército ou algo parecida.

Pensou em não aceitar a hospedagem gratuita do colégio e pagar uma pensão das redondezas, depois calculou mentalmente o dinheiro em seu bolso e o sacrifício do pai em arranjá-lo. Esqueceu-se da ideia. Mas já estava criada uma barreira psicológica em Albert, pois, pela sua timidez, pela sua incapacidade em se deixar envolver em brincadeiras coletivas, dificilmente conseguiria adaptar-se ao meio.

- Herr Albert Einstein?
- Presente.
- Siga-me, por favor. O encarregado guiou-o através do enorme salão
- Eis sua cama e a chave de seu armário, herr Einstein. A refeição será às 19 horas em ponto. Boa tarde!
- Boa tarde!

Uma cama bem no meio do salão, uma mesinha-de-cabeceira, a mala a desarrumar. Em volta dele, a arruaça, a alegria e a curiosidade dos colegas aos quais sentia-se estranho. Eram todos rapazes como ele, mas Albert sentiu-se tolhido em sua vida privada, como se fosse, de repente, agredido em seu pudor. Procurou ser o mais agradável possível, mas isso exigia-lhe um esforço constante que o perturbava e o deixava irritadiço e nervoso. Então voltou-se, como sempre lhe acontecia em casos análogos, aos seus livros. Recomeçou a estudar, preparando-se aos exames iminentes; mas seus estudos limitaram-se à matemática e à física, embora do exame constasse todas as matérias, tais como história, geografia. botânica, línguas, etc.

Quando começaram os exames, as brincadeiras dos colegas cessaram como que por encanto. No alojamento caiu um silêncio doentio, feito de nervosismo. Um esfregar mãos constantes, o último e rápido repasso da matéria. Uma concorrência desumana para sobressair às provas rigorosas da famosa faculdade, motivo de orgulho para os poucos aprovados.

Albert ficou em silêncio, observando os colegas nervosos e tensos. Não participava desse nervosismo extremado, nem se sentia calmo o bastante para enfrentaras com tranqüilidade. Mais que ninguém precisava passar e acabar logo com o curso para  poder ganhar seu sustento professor e não mais depender da família.

Depois, os exames acabaram. Começou a longa agonia da espera dos resultados.

- Senhor diretor, queria mostrar-lhe estas provas.
- Entre, professor.
- Trata-se do candidato Albert Einstein. Realizou provas brilhantes em matemática e física, mas está muito fraco em  línguas botânica, historia e geografia. Creio que poderíamos aproveitá-lo, talvez em Aarau...

O professor Albin Heizog, diretor do Politécnico de Zurique, começou a folhear as provas.

- Sim, é muito bom em matemática. Está certo. Não podemos aprová-lo, mas poderemos dar-lhe uma nova chance no próximo ano.

Albert tinha sido reprovado. A noticia foi-lhe dada pelo professor de física, Heinrich Weber, que, agindo co-tra seus hábitos, chamou o jovem candidato à sua sala. Albert ficou desnorteado por alguns instantes. Reprovado! Tinha vontade de chorar, mas segurou as lágrimas. O professor Weber percebeu seu drama, tentou consolá-lo.

- Herr Einstein, se decidir permanecer em Zurique, terei muito prazer em tê-lo como frequentador de minhas aulas ... Albert não respondeu. Tinha um nó na garganta que lhe impedia de falar e de agradecer. Acenou apenas com a cabeça. Mas o professor entendeu, talvez pressentiu as possibilidades do rapaz. Convidou-o para uma entrevista com o diretor do Instituto, para o mesmo dia, à tarde.

Albert estava abalado. Saiu da sala mortificado, quase chocado com o resultado. Não sabia o que fazer. A tarde foi recebido pelo professor Herzog, que elogiou sua prova de matemática.

- Herr Einstein, seus conhecimentos de matemática e de física são excepcionais. Mas é meu dever, todavia, aconselhá-lo a estudar mais as outras matérias...
- Sim, senhor!

Tinha sido reprovado, mas o elogio do diretor de um dos mais famosos institutos do mundo, amenizava um pouco sua decepção.

- É meu dever também — continuou o professor Herzog -  aconselhá-lo a se inscrever na Escola Cantonal Suíça de Aarau e lá tentar o diploma para que, no próximo ano, possa novamente concorrer a uma vaga neste instituto.

Uma nova porta que se abria, uma nova esperança. Não poderia retornar a Milão como um fracassado. Aquela mesma noite escreveu uma longa carta aos pais, contando-lhes que teria de fazer um curso preparatório durante o ano de 1895, para realizar novos exames no ano seguinte.
O curso começaria imediatamente, por isso não voltaria para Milão, seguindo diretamente de Zurique para Aarau.

Aarau era uma cidadezinha tranquila, envolvida no silêncio dos Alpes suíços, rodeada por bosques de pinheiros e abetos. Não tinha indústrias e nem vida noturna. Seus habitantes viviam dos produtos da terra, levando uma vida sem muita ambição e muito menos desilusões. Em Aarau, Albert encontrou seu paraíso. O colégio possuía grande asseio. O regime era disciplinado, porém sem a rigidez alemã já sofrida por Albert no passado. Os mestres eram compreensivos, sem preconceitos raciais. Alguns deles tinham origem judaica. A única exigência era quanto ao estudo, pois não se admitia ninguém folgando durante as horas reservadas aos livros. Fora disso, era apenas gozar a paisagem encantadora e viver tranqüilo à espera dos novos exames.

O ano passou sem grandes acontecimentos. Um ano cheio de paciência, de aprendizado nas matérias onde seus conhecimentos mais escasseavam. Estava consciente ser aquele um ano perdido em sua vida, mas aceitou o fato com resignação, aproveitando-o para ficar mais em contato com a natureza, com suas idéias e seus sonhos. Por volta de setembro, informaram-lhe que os exames no Politécnico seriam em outubro. Redobrou seus esforços, estudou com afinco, renunciou aos longos passeios pelos caminhos de Aarau. Isolou-se em seu quarto, repassando as lições e pagando, assim, seu tributo por não te-las aprendido no Luitpold.

Quando faltavam quinze dias ao exames, os alunos de Aarau foram conduzidos de retorno a Zurique, para o exame vestibular. Albert sentiu-se feliz pela volta ao Instituto. Pareceu-lhe até ter voltado para casa, uma casa um tanto escura, soturna, fria, mas o santuário da ciência daquela época. Sabia que precisava ser aprovado de qualquer forma, pois era sua última oportunidade de tornar-se professor de física, segundo sua própria escolha.

Reencontrou o mesmo clima do ano precedente: os alunos moviam-se pelas salas imensas do edifício com circunspecção, cabisbaixos, nervosos. Mas Albert, desta vez, estava preparado. Não se sobressaíra nos estudos em Aarau, mas procurara dar o máximo de suas forças pa-ra conseguir a aprovação final em Zurique. Sabia que os pais e Maja, naquela hora, torciam ferozmente pelo seu sucesso.

Consciente de suas possibilidades, enfrentou com calma os examinadores. E a aprovação tão desejada tornou-se realidade! Sua primeira reação, ao saber do resultado favorável, foi correr para o alojamento e escrever aos pais. Seu futuro começava, pelo menos assim ele pensava, em 1896, aos dezessete anos de idade. Havia conseguido entrar no Politécnico de Zurique, um dos mais famosos institutos de ensino da Europa.

- Albert conseguiu! — exclamou Paulina, chorando. 
- É um acontecimento que merece ser comemora-do — retrucou herr Hermann, enquanto Maja limpava uma pequena lágrima que teimava em escorrer em sua face.

Por alguns momentos, herr Hermann esqueceu-se de seus próprios problemas, agradecendo a alegria colhida através do filho. Esqueceu-se também que já pensara em Albert, em sua infância, como a um retardado. Naquela hora foi tudo esquecido. Albert não seria o concertista sonhado por Paulina, nem o gerente da oficina esperado por Hermann. Seria um professor. Professor de física e matemática, assim como ele mesmo tinha planejado.

Enquanto isso, o futuro professor fazia suas contas. Tinha dezessete anos, portanto aos vinte e um estaria formado, começando a ganhar sua vida. Pensou em visitar seus pais em Milão. Tinha saudades da família, de seu violino, das longas passeatas pelas bibliotecas da cidade. Poderia passar alguns dias na Itália, logo depois que ar-rumasse suas acomodações em Zurique, num quarto de pensão. Mas o problema financeiro tornou a frustrar suas intenções.

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Capítulo 3 - O amor de Mileva


A viagem era muito cara e não compensaria gastar tanto dinheiro somente para aproveitar alguns dias de folga. Renunciou. Mas quase diariamente escrevia aos pais, agradecendo-lhes pelos sacrifícios e esperando compensá-los de tudo num futuro bem próximo.

Embora economizasse renunciando a todo e qualquer vício, proibindo-se qualquer gasto que não fosse estritamente necessário, sua situação financeira, todavia, permanecia preocupante. Como sempre, escreveu aos pais. Herr Hermann tomou conhecimento da situação de Albert, discutiu o fato com Paulina, com Jakob, com outros parentes. Uns tios de Albert, que moravam em Génova, foram interpelados.

- O rapaz merece? — perguntaram. Hermann explicou-lhes a situação, assegurou-lhes que o dinheiro estava bem empatado no menino, que a tranqüilidade de Albert, em Zurique seria também sua tranqüilidade em Pávia. Os tios, então, estabeleceram-lhe uma mesada de 100 francos até sua formatura. O imediato futuro estava resolvido. Albert, agora, poderia iniciar sua longa caminhada para o futuro. Um futuro apenas traçado em seus pensamentos, difícil a ser conquistado.

Durante o primeiro dia de aula, Albert sentiu-se orgulhoso por ter conseguido entrar no Politécnico. Estava na escola desejada, no curso pretendido, sem as obrigações, agora, de estudar as matérias que nada tinham a ver com seu temperamento. Iria estudar apenas física e matemática, abandonando de vez botânica, história, geografia, fantasmas de um longo e penoso período escolar. Finalmente, tinha conseguido sua liberdade!

Mas sua nova felicidade, um sentimento leve, estra-nho, novo, começou a perturbá-lo. Algo que Albert não sabia ainda definir, que não tinha ainda experimentado. As vezes doce, musical e estonteante, outras ligeiramente amargo, triste e melancólico. Uma equação misteriosa, irresolvível, cujo significado pertencia somente a Deus.

Por que dois olhos azuis e umas tranças loiras possuíam tanta potência? Ela frequentava as aulas de física, era alta, esbelta, bonita. Ele a amava, portanto era bonita! 

- Mileva Maritsch, posso acompanhá-la até sua casa? A timidez voltava, absurda, infiltrante, traidora. - Pois não, Albert! — ela respondia. E ria.

Uma ri-sada alegre, jovem, conturbante. O começo de um grande amor, pois os começos dos amores são sempre grandes! Um amor feito de olhares, de pequenos favores, tímido e calado.

- Mileva, posso levar seus livros?
-  Pois não, Albert! — ela dizia. E ria.

Sempre aquele sorriso de pessoa viva, extrovertida, jovem e sadia. Mileva Maritsch era tão bonita quanto autoritária e independente. Tinha chegado em Zurique proveniente da Sérvia, levava ainda consigo aquela carga prorrompente e impetuosa de vitalidade própria de seu país de origem, aquela carga de liberdade quase selvagem própria de seu povo. Nunca um casal encontrou-se tão diferente.

Albert continuava tímido e solitário, Mileva, ao contrário, estava sempre pronta a dançar e a frequentar os salões de festa. A moça não se importava muito com os assédios acanhados de Albert, até achava graça neles! Estava acostumada ao cerco dos rapazes, a ser disputada nos bailes, a ser convidada para os longos passeios dos estudantes. Para Albert foi um pequeno inferno.

Não tinha a coragem de se declarar, expressando seu amor apenas com longas e tímidas olhadas, com pequenos e infantis favores. Corria para ajudá-la a subir uma escada, levava seus livros, a socorria durante as aulas, a acompanhava até em casa, a ajudava a atravessar a rua.

- Mileva, posso ajudá-la na lição?
-  Pois não, Albert! Pois não! — dizia ela. E ria.

Via graça naquele jovenzinho desarrumado, sonhador, distraído.

De sua parte, Albert nada fazia para melhorar suas chances. De fato, era distraído demais para se vestir com um certo esmero. Muitas vezes, adormecia deitado em cima dos livros, acordando depois com seu terno irremediavelmente amarrotado. Não ligava muito para as roupas. Seus cabelos, quase sempre despenteados, viviam ao sabor dos ventos. Seu colarinho duro, com as pontas que deveriam estar dobradas em cima da gravata larga, como se usava naquela época, estava freqüentemente fora de lugar. Em seu colete, que deveria cobrir a camisa branca, faltava quase sempre alguns dos cinco botões de moda.

Não, não sabia ser elegante! Sua cabeça, apesar do novo sentimento surgido com relação a Mileva, continuava perdida em elucubrações mentais, longe no espaço e no tempo. Gastava a maior parte de seu tempo em iniciativas e provas científicas, explorando o novo mundo da ciência que os laboratórios do Politécnico lhe ofereciam.

Os mesmos professores notavam-lhe um certo ar sonhador, distante, como quem estivesse procurando algo fora de si e muito longe. Ao repassar as teorias de física, Albert não se contentava em admiti-las simplesmente. Procurava casos excepcionais possíveis onde a teoria não se confirmasse. Mas mantinha em segredo seus estudos e seus resultados.

Nunca chegou a comentar com nenhum colega, nem mesmo com Mileva, sobre seus critérios de raciocínio. Procurava seguir sua curiosidade nunca saciada de adentrar os segredos do universo, pro-curando causas e efeitos em profundidade. Não aceitava nada por princípio. Para a comprovação de uma teoria, queria sempre o maior número de dados possíveis. Nos quatro anos de estudos, ele realizou incursões por toda a física clássica, defrontando-se com os seculares problemas dos fenômenos físicos sempre com desconfiança.

Em suas indagações, partia sempre de uma premissa: estariam resolvidos todos os problemas da física com as doutrinas aceitas pela ciência ortodoxa? Não havia sequer um reparo a fazer? Essas dúvidas eram também a razão de seu ar sonhador.

Um dos poucos professores que percebeu suas constantes indagações foi Hermann Minkovsk. As perguntas que Albert lhe fazia, porém, eram profundas demais para receber respostas. Ninguém ainda havia discutido tais problemas, ninguém ainda havia tentado desafiar as teorias de Newton, verdadeiros postulados da física, Minkvski começou a entender seu jovem aluno e sua maneira de pesquisar, pois para muitos problemas de física teórica, as equações de Newton não ajudavam e nem solucionavam.

Mas ninguém, ainda, tinha tido a ousadia de colocar em dúvida suas equações e princípios. E o fato de ninguém ter ainda duvidado, constituía a maior dúvida de Albert em aceitá-las. Pois "se ninguém duvida — resmungava entre si —, como chegar à certeza? Quem comprovou, em todos os casos possíveis, tais teorias? E se surgiu alguma dúvida, por que ninguém procurou outros caminhos para solvê-la?".

Ele estava consciente que as teorias de Newton não estavam erradas, mas acreditava também que não estavam "corretas" para todos os casos. Suas primeiras dúvidas partiram e nasceram da intuição pura, pois ainda não possuía elementos para um estudo mais acurado. Precisaria de mais tempo e maiores conhecimentos.

Ousadia e obstinação tinha de sobra. A medida que ampliava suas noções de física clássica, mais sonhos surgiam em sua mente e mais apurada tornava-se sua intuição. Discutia com todos e desconfiava de todos. Só Mileva conseguia abrandar suas dúvidas e extraí-lo, ainda que por pouco tempo, daquele mundo de equações e teorias. A beleza da colega servia era agressiva e contundente, possuía ao mesmo tempo o ar doce de Paulina e a autoridade de Hermann.

Nela, Albert resumiu as duas pessoas que mais amava no mundo. Inteligente e participante de seu mundo científico, Mileva representava para o jovem a mulher ideal para um casamento feliz. Foi numa tarde de abril que aconteceu. Passeavam pelos jardins do instituto, naquela hora quase deserto. 

- Mileva -- ele disse baixinho —, quer casar comigo?
E depois olhou para o chão, arrependido, apavo-rado, esperando a risada alegre gozadora de Mileva. Mas a risada não veio. Nenhuma risada e nenhuma resposta. Apenas um silêncio ensurdecedor, estonteante, cortado por um longínquo assobio de trem. Depois sentiu a mão dela procurar a sua, apertá-la, puxá-la devagar, convidando-o a prosseguir o passeio. Mais um, dois, cinco passos...

- Está bem, Albert! Eu . .. eu caso com você!



Capítulo 4 - A revolução de Einstein

Já morria o século 19 dos românticos pálidos e tuberculosos. A Alemanha, esgotada a época heróica de suas guerras vitoriosas, enfrentava agora dificuldades sem glória. A França tratava de suas feridas na colina de Montmartre, inventando o remédio do can-can. A Inglaterra pós-vitoriana consolava-se organizando encontros internacionais de cricket. A Itália aplaudia Lina Cavalieri e vaiava a Bela Otero. A Europa toda preparava-se para viver uma época excepcional, a Belle Epoque, durante a qual nasceria uma nova maneira de viver e uma nova maneira de se iludir.

Albert tinha agora um grosso bigode e uma barba espessa. Já dominava profundamente a teoria do eletromagnetismo de Maxwell antes mesmo que o professor Heinrich Weber a lecionasse durante suas aulas. Assim, quando a ocasião chegou, assistiu às aulas com pouco interesse, quase por obrigação.

O namoro com Mileva também contribuiu para afastá-lo um pouco das lições. A ameaça de uma reprovação começou então a pairar sobre seu futuro. Salvou-o um amigo, Marcel Grossmann, brilhante aluno de matemática, que colocou à sua disposição todas as anotações colecionadas durante as aulas, no transcorrer do ano. Albert estudou com afinco nos dias precedentes às provas e conseguiu graduar-se quase que por milagre. A alegria da graduação, porém, teve vida curta. Dias amargos estavam para chegar.

Postulou imediatamente o cargo de professor no próprio Politécnico, mas a resposta não lhe foi favorável. Recusaram-no simplesmente, sem lhe dar satisfação sobre os motivos da decisão. Mas os motivos eram facilmente identificáveis: era judeu. O preconceito racial, embora de forma menos agressiva que o de Munique, barrava-lhe mais uma vez o caminho. Além disso o, alguns professores dedicavam-lhe uma antipatia quase visceral, devido à sua franqueza e à pouca fé na autoridade e conhecimentos do corpo docente.

Albert há estava preparado para o pior. Sempre sofrera esse tipo de agressão, mas não sabia conter suas críticas aos professores dos quais havia ultrapassado os conhecimentos.

As cartas que recebia da Itália, também não eram muito alegres. Seu pai não tinha ainda conseguido vencer as dificuldades financeiras, e o tio de Gênova, após a formatura, tinha decidido cortar-lhe a mesada. Todos seus sonhos, assim, foram-se de repente. Mas algo o impeliu a lutar, a não se entregar. Começou a se arranjar com empregos provisórios, bastantes apenas para pagar a pensão.

Em 1901 publicou um trabalho sobre capilaridade na revista científica Annalen der Physik e enviou uma cópia do trabalho ao célebre professor Wilhelm Ostwald, da Universidade de Leipzig, com a esperança de que o famoso químico o ajudasse. Nem recebeu resposta. Começou a ficar, então, quase desesperado.

Queria casar com Mileva, mas a situação financeira estava péssima. Impossível pensar em casamento, sem antes arranjar um emprego fixo. Procurou explicar a situação aos pais, justificando em parte a recusa recebida pelo Politécnico.

- Pelo que ouço — escreveu-lhes —, não estou nas boas graças de nenhum dos meus antigos professores. Tempo atrás eu teria encontrado uma posição de assistente numa universidade, se Weber não tivesse feito intrigas contra mim.

A carta foi um rude golpe para Hermann e Paulina, mas não havia como ajuda-lo. A pequena fábrica dos irmãos Einstein não dava o lucro esperado. Tinha que se arranjar sozinho. Mais uma vez, a sorte foi ao seu encontro. Marcel Grossmann, o mesmo colega que o havia salvado reprovação durante os exames de formatura no Politécnico, falou de Albert ao pai, carregando nas dificuldades enfrentadas pelo amigo e em sua genialidade. Herr Grossmann, então, deu-lhe uma carta de recomendação para Friedrich Haller, diretor do Departamento de Registro de Patentes da Suíça, em Berna. Teria que engavetar seus sonhos e suas esperanças, teria que sentar numa escrivaninha de burocrata no trabalho diário de examinar pedidos de patentes,  mas necessária.

Mas teria Mileva a esperá-lo em casa, à noite. E de vez em quando poderia retirar os sonhos das gavetas. A esperança? A esperança continuaria a existir para sempre. Que espécie de esperança é uma esperança que morre? Foi para Berna com a carta de recomendação no bolso, postulando um emprego que não queria. Sua entre-vista com Haller foi quase um fracasso. O diretor do departamento percebeu a falta de importantes qualificações técnicas no jovem candidato, mas notou também que havia nele algo que transcendia as exigências técnicas. O raro domínio da teoria eletromagnética de Maxwell alcançado por Einstein, convenceu Haller a oferecer-lhe o emprego. Mas teria que esperar, pois no momento não existiam vagas no instituto.

Albert, então, voltou para Zurique à espera da convocação. Em novembro, apresentou à Universidade um trabalho para doutoração sobre termodinâmica. Foi rejeitado. O trabalho, contudo, foi publicado pela revista Annalen der Physik. O resultado de sua tentativa para obter o doutorado não era ainda conhecido, quando na Gazeta Federal foi anunciada uma vaga no Departamento de Registro de Patentes de Berna. Einstein recebeu imediatamente o anúncio de sua designação para o cargo, com a qualificação de engenheiro de segunda classe. Aquela noite comemorou seu primeiro emprego com Mileva. 

- Agora podemos casar! — disse à noiva. O emprego estava muito aquém de suas possibilidades intelectuais, apenas um ganha-pão, mas lhe permitiria realizar seu grande sonho: casar-se com Mileva e formar uma família. A esposa teria um modesto aparta-mento e uma sociedade sem muito a lhe oferecer. Para Albert era o suficiente, para Mileva ... A moça era de caráter difícil, imprevisível. Aguentaria a brusca mudança dos alegres bailes de Zurique para a vida de sacrifícios de Berna? Albert esperava que sim.

Casaram-se.

Em Berna foram morar num pequeno apartamento. Móveis estilo Luís XV, janelas altas e estreitas, cortinas brancas com enfeites e franjas douradas. Uma sala, dois quartos e banheiro. Era pouco, mas dava para o casal.

No dia 23 de junho de 1902, finalmente, Einstein começou a trabalhar no departamento de patentes, como perito técnico de provas, funcionário de terceira categoria, com o modesto salário anual de 3 500 francos. Um salário parco, mas que dava para sobreviver. Não precisaria mais depender da ajuda dos pais que ainda continuavam a morar em Pávia, nem da mesada dos tios de Gênova.

Não tinha experiência no trabalho, não estava acostumado à rotina do instituto. Mas, aos poucos, foi-se adaptando. Como todo funcionário público, descobriu logo que seu emprego não lhe tomava muito tempo, apesar da odiosa rotina. Sentado à sua enorme mesa, com canetas e tinteiros, mata-borrão e cachimbo, procurou então aproveitar melhor seu tempo, traçando suas primeiras observações científicas.

Foram anos de grandes surtos imaginativos, brotando-lhe idéias assombrosas. Dividia seu tempo exclusivamente entre a repartição e seu pequeno apartamento, onde recebia seus amigos mais íntimos para discutir os aspectos estruturais das diversas teorias e de suas novas idéias. A convivência com Mileva, porém, não era das melhores, apesar do filho que lhe dera. Enquanto procurava novos caminhos e desenvolvia suas idéias, era obrigado pela mulher a dar banho na criança ou ajudar na cozinha, arrumando-a, lavando os pratos, limpando o chão. As vezes, tentava explicar suas teorias à mulher, mas Mileva virava-lhe as costas.

Albert aguentava com paciência fora do comum, e não entendia porque Mileva, apesar de seus conhecimentos científicos, procurava sempre tiranizá-lo ou gozá-lo quando tentava discutir suas novas idéias sobre física.

Mesmo com o filho no colo, porém, Albert continuava pesquisando as teorias de físicos como Kirchoff, Hertz, Helmholtz, Beltzmann e Maxwell. No final de 1904 sentiu-se, enfim, preparado. Então planejou uma viagem a Zurique, onde levaria o resultado de seus quatro anos de trabalhos  e observações sobre os fenômenos eletrodinâmicos de corpos em movimento. Não sabia ao certo qual a reação do mundo científico, sentia-se quase desamparado. Em casa, Mileva pouco se importava com suas ideias cada vez mais, tiranizando-o cada vez mais, obrigando-o a trabalhos caseiros como se fora uma empregada doméstica.

Passou a limpo sua teoria. Era composta apenas de trinta páginas manuscritas. Na verdade, eram quatro teorias diferentes, quatro descobertas que Albert fizera ao longo dos quatro anos de trabalho no Departamento de Registro de Patentes. Um emprego humilde, mas que na realidade o ajudara muito, pois sobrara-lhe tempo bastante para empreender seus estudos. As vezes passavam-se semanas inteiras sem que nada acontecesse na repartição. Ninguém aparecia para registrar novas patentes, e ele podia, assim, continuar seu trabalho particular com mais calma e tranqüilidade.

O anúncio da projetada viagem a Zurique deixou Mileva excitada, pois para ela era a ocasião de rever os amigos, de voltar a dançar como nos tempos do Politécnico. A vida em Berna era calma demais, nada acontecia.

5 de junho de 1905. O verão forçava a janela semi-fechada da redação da Annalen der Physik. O único redator que permanecia, meio sonolento, à sua mesa, levantou preguiçosamente os olhos para o jovem visitante e bocejou educadamente, cobrindo a boca com a mão pálida e peluda.

- Sim?
- Meu nome é Albert Einstein — disse baixinho. —Trago ... bem, trago um trabalho talvez de um filósofo perdido em sofisticações e em teorias incompreensíveis. Ou talvez — sorriu novamente debaixo dos bigodes pretos —, ou talvez de um homem que gosta de brincar à custa da física.

Assim foi apresentada, trezentos anos depois de Newton, a Teoria da Relatividade Restrita, contendo ainda de quebra a explicação teórica da agitação de partículas minúsculas, como o pólen, no meio de um líquido em completo repouso (movimento browniano); a teoria eletromagnética da luz com um novo conceito, o fóton (partícula de energia a deslocar-se com o movimento ondulatório, o que vinha a explicar o efeito fotoelétrico); e outra teoria deduzindo a célebre equação E=mc², identificando matéria (massa) e energia como grandezas da mesma natureza.

O redator leu atentamente aqueles manuscritos. Passou as folhas para o editor e esqueceu-se do caso. O editor leu, não entendeu nada, mas gostou e decidiu sua publicação. O trabalho apareceu, assim, sob o titulo genérico de Sobre a Eletrodinâmica dos Corpos em movimento, o mesmo que Einstem havia sugerido.

O autor tinha, naquela época, apenas 26 anos. A revista Annalen der Physik recebeu algumas cartas de cientistas famosos pedindo informações sobre o autor do trabalho. A resposta deixou os cientistas perplexos.

- Trata-se apenas de um jovem desconhecido. Um judeu-alemão de 26 anos, que trabalha numa repartição do Registro de Patentes de Berna.

- Como? Um empregado de patentes?
- Impossível!
- Não é professor? Simplesmente inacreditável!

Aquelas quatro descobertas de Albert, tidas por ele próprio como uma "sofisticação de um filósofo que gosta de brincar à custa da física", começaram a torná-lo conhecido em todo o mundo. Começaram a chegar as primeiras cartas de congratulações, em meio à inveja de seus próprios mestres que tinham vetado seu nome no Politécnico de Zurique. Uma das primeiras cartas a chegar foi de Max Planck, o grande físico e pai da teoria do quantum. A carta vinha de Berlim. Aquele dia chegou em casa alegre e feliz, com os cabelos mais desarrumados que de costume, os olhos brilhantes.

- Mileva! Mileva!
- Não grite ou vai acordar o menino ... — retrucou a esposa.
- O que foi?
- Leia, Mileva! Leia ...

A mulher deu uma olhada à carta, leu sem muito interesse.

- Grande coisa! Pensei que fosse um aumento de ordenado.
- Mas ... mas a carta é de Max Planck, Mileva! Uma carta de Max Planck! Sabe o que isso significa?

A teoria do quantum do grande físico de Berlim havia passado despercebida da maioria dos físicos contemporâneos, menos de Einstein, que percebera-lhe a importância e o alcance. A teoria provava, por método matemático, que a energia radiante provinha não como um fluxo contínuo, mas por meio de partículas chamadas quantum, o que explicava o fenômeno de uma radiação. Para Albert, as congratulações de Planck eram importantíssimas. Era a fama chegando, apesar de estar acostumado a receber os elogios com a maior humildade. Mas o que ele mais procurava obter eram a estima e o interesse de Mileva. Mostrava-lhe as cartas que recebia diariamente, os artigos das revistas científicas que tratavam de suas teorias.

- Olha aqui, Mileva! Leia... - dizia à esposa, entregando-lhe as cartas e sas publicações - Olhe esse artigo!

"O senhor Einstein é um dos espíritos mais originais de que tive conhecimento. Colocado diante de um problema de física, ele não se contenta com os princípios clássicos estabelecidos, mas estuda todas as possibilidades possíveis. Em sua mente, o problema cria a antecipação de um novo fenômeno que um dia poderá ser controlado. O futuro dará provas do mérito do senhor Einstein e a universidade que o acolherá com sua obra, pode estar certa que sua colaboração com o jovem mestre representará para ela uma glória". Assinado, Henri Poincaré.

- Você viu, Mileva?
- Vi. E com isso? É melhor me ajudar a limpar a cozinha e a trocar as fraldas de Hans Albert.

Na casa de Pávia, na Itália,  a alegria de Hermann e Paulina era total. Paulina começou a explicar, para vizinhos e amigos, o gênio do filho que morava na Suíça, contando também velhos episódios da infância de Albert, exagerando como sempre exagera uma mãe nessas ocasiões. E Hermann, esquecendo-se de sua própria opinião sobre o filho quando pequeno, agora tecia maravilhas sobre sua precocidade, seus estudos, suas façanhas estudantis. Como consertara, por exemplo, aparelhos complicadíssimos em sua oficina de Munique, quando tinha pouco mais de dez anos.

A vitória de Albert, agora, era total. No mundo todo só se falava em suas teorias, principalmente a da Relatividade Restrita, que muitos, no acesso da discussão, já afirmavam ser a mais importante teoria já descoberta no mundo, deixando Newton e Galileu sem sentido. Faltava-lhe uma cátedra, mas já estava a caminho. O professor Kleiner, de quem Albert fora aluno no Politécnico de Zurique, leu o artigo, gostou, entendeu quase tudo. Fazendo valer sua influência, obteve para o seu jovem colega uma cátedra na Universidade de Berna. Foi assim que dois diretores do instituto visitaram um dia Albert em sua casa, enquanto Mileva, carrancuda, servia o licor.

- Professor Einstein, sua teoria está revolucionando os meios científicos. Gostaríamos de nos associar às congratulações.
Ele levou o cálice de licor à boca, sorriu timidamente. gratulações.

- Agora, professor Einstein, esperamos sua visita à universidade - continuou um dos dois diretores do instituto. - Como já disse, suas teorias estão sendo estudadas com carinho e esperamos que venha a aceitar um convite para lecionar para nossos alunos. Seria uma honra, herr Einstein. O professor Kleiner indicou seu nome.

Mais um gole de licor de hortelã para comemorar.sor. O grande sonho de lecionar, de se tornar um professor estava também realizado. O importante, para ele, era agora deixar aquele fastidioso emprego no Registro de Patentes, acabar com o tédio de ficar dias inteiros à espera de um possível inventor que quisesse registrar patente de algum sistema novo. Entregou ao diretor Haller sua carta de demissão, mas demonstrando grande humildade, mesmo depois do sucesso, continuou a comparecer ao escritório para trabalhar como qualquer outro funcionário, até a data do desligamento.

Sua personalidade, de fato, era realmente invulgar. Não possuía a humildade hipócrita daqueles que cultuam uma imagem social. Pouco se importava com sua imagem ou com aquilo que os outros pensavam a seu respeito. O importante para ele era a honestidade para consigo mesmo. Aquela mesma noite estava conversando com Mileva sobre os próximos passos do casal, uma Mileva bastante irritada e invejosa da aclamação mundial dada ao marido, quando chegou-lhe um convite para uma conferência sobre a Teoria da Relatividade perante um congresso de cientistas em Salzburgo.

Aparentando calma e tranqüi-lidade, Albert leu o convite e então começou a sentir algo de quente descer-lhe pelo rosto. Havia sofrido demais. Nunca respondera à altura às agressões recebidas. Pre-ferira sempre o caminho pacifico para encontrar soluções. De repente, com um despretensioso trabalho, recebia os maiores elogios dos mais famosos cientistas do mundo inteiro. Recebia mais que isso. Recebia uma cátedra na Universidade de Berna, e agora um convite para defender sua tese da relatividade perante os mais importantes cientistas do mundo.

- Alguma coisa de importante? - perguntou-lhe Mileva.

De repente, então, veio-lhe à mente todo o trajeto seguido para conseguir chegar aos resultados de suas teorias. Um longo caminho pontilhado de desilusões e amarguras. Sorriu. Como chegara à relatividade? Era uma pergunta que o mundo todo se fazia. E ninguém sabia a resposta. Só ele. E poderia responder apenas com unia palavra, uma única e simples palavra: humildade.

A Universidade de Berna recebeu seu mais jovem professor com alarde. Professores e alunos recebera Einstein com respeito, enquanto seus antigos colegas mantinham-se à distância respeitosa. De sapatos cambados, terno amarrotado, aos poucos Albert foi conquistando todos por sua simpatia e humildade. Esperavam um homem cheio de vedetismo, mas defrontaram-se com um filósofo sonhador, um homem cheio de bom humor e ternura, amigo dos alunos.

Todavia, muitos professores amarguravam-lhe a vida com suas pequenas invejas. Isso tornou-o mais solitário. Enquanto isso, os professores Kleiner e Minkovski, do Politécnico de Zurique, iniciavam um movimento para conseguir-lhe uma cátedra dentro daquela faculdade. Agora acontecia uma inversão. Ao sair daquele instituto, Albert, já formado, tinha sido vetado pelos professores por ser judeu e possuidor de idéias científicas revolucionárias. Agora eram os mesmos professores que lhe exigiam na universidade uma cátedra, chamando a atenção dos colegas mais agressivos e hostis.

Poucos cientistas vivos tiveram, aos 26 anos, a fama de Einstein. Nunca, até então professor, de um dia para outro, tinha conseguido tantos elogios. Um dia, em Londres, apareceu um artigo sensacional. O jovem Einstein era chamado pelo autor de "o oitavo criador do mundo" e colocado numa sequência de nomes impressionantes: Pitágoras, Aristóteles, Ptolomeu, Copérnico, Galileu, Kepler e Newton. O artigo era assinado por G. Bernard Shaw, um dramaturgo que tinha conseguido captar intuitivamente, através das antenas da poesia, a das teorias enunciadas no Annalen der Physik.

No Politécnico, todavia, persistia ainda uma certa resistência em admiti-lo, notadamente por parte dos professores mais idosos, que não queria um colega tão jovem e já tão famoso, ofuscando-lhes a glória. Um dos mais ferozes opositores de Einstein foi professor Weber, que já lhe tinha negado anteriormente seu voto. Weber estava ainda com rancor de seu ex-aluno. Lembrava-se das perguntas desnorteantes, agudas, impiedosas: "Professor Weber, como se comportaria uma onda de luz se alguém estivesse a passo com ela?" Weber lembrava-se também da resposta que, naquele tempo, era obrigado a dar com grande humildade: "Não sabemos ... Não temos elementos para responder-lhe, herr Einstein!". Agora seria difícil para ele receber o ex-aluno, já dono da resposta de sua antiga pergunta. Uma pergunta genial, uma resposta revolucionária. Agora também Weber sabia a resposta, após tê-la aprendido de seu ex-aluno. E isto lhe doía, criava uma ferida de ciúme em seu orgulho, ma-goava sua sabedoria e sua arrogância.

Weber resistiu, intrigou, vetou. Mas em 1909, finalmente, a Universidade de Zurique aceitou a indicação de Albert Einstein para a cátedra de física. O gênio estava vitorioso.

- Agora você lhes deu a resposta que mereciam! — congratulou-se com ele Minkovski, ainda exultante pela vitória.
- Não, professor! — respondeu-lhe Einstein. — Não foi para isso que estudei. Só tenho que dar respostas à ciência! E assoou o nariz com um enorme lenço branco ama rotado. 



Capítulo 5 - Os Anos de Sucesso


A situação familiar estava péssima. Mileva não compartilhava das glórias do marido e continuava a tiranizá-lo cada vez mais, quem sabe até com uma certa dose de inveja pelo sucesso conseguido. Albert agüentava com paciência, cuidando do filho, tocando violino, fumando cachimbo e lendo avidamente.

Lecionar no Politécnico de Zurique pouco ou nada modificou a vida de Albert. Vivia dividindo seu tempo entre a faculdade e a casa, atribulado mais com os problemas criados por Mileva do que com teorias de matemática ou de física. Tentava explicar aos alunos sua Teoria da Relatividade, muito embora seus colegas de ensino necessitassem mais do aprendizado. Suas conferências eram muito discutidas, pois não todos os professores tinham aceito sua teoria.

O sonho de lecionar no Politécnico começou a se transformar em pesadelo. Os deveres da profissão tomavam-lhe muito tempo, nada deixando à elaboração de novas teorias ou ao aperfeiçoamento das já enunciadas. A hostilidade estúpida e preconceituosa dos colegas o amargurava diariamente.

Em 1909 nasceu Edward, o segundo filho. A vida em casa tornou-se ainda mais caótica. Mileva agora tinha dois filhos a cuidar e isso exigia-lhe mais do que era disposta a dar. Albert era constantemente interrompido em seus estudos que lhe exigiam a máxima tranqüilidade. Em sua mente agitava-se já seu segundo grande conceito criativo: a extensão da relatividade ao campo gravitacional. Seis meses após ter conseguido a cátedra em Zurique, recebeu um convite da Universidade Alemã de Praga, na Tchecoslováquia. Naquela época isso era muito comum. Apesar de ser outro país, a república centro-européia mantinha universidades de língua alemã, um dos idiomas mais falados em Praga.

Após longa meditação, Einstein resolveu aceitar o cargo. Pensou que uma mudança de ambiente poderia talvez, ajudar Mileva a se recompor e a salvar, assim, o casamento. Gostava ainda muito da esposa, mas o gênio da mulher continuava por demais agressivo insuportável.

Em 1910, Albert Einstein e família embarcaram num trem em direção à Praga. A saída de Zurique foi, para o jovem cientista, um alívio. Apesar de toda sua fama, o ambiente continuava ainda hostil, nem tanto quanto à sua teoria agora já comprovada matematicamente e impossível de ser negada, quanto ao orgulho dos professores do Politécnico, que não lhe perdoavam o sucesso internacional, enquanto eles permaneciam incógnitos e obscuros.

A velha capital tchecoeslovaca recebeu Einstein com respeito e uma certa dose de curiosidade. Afinal, era o homem que tinha revolucionado a ciência! Quanto a Mileva, não desgostou da cidade, mas achou-a calma demais para sua neurose de movimento. Seus longos passeios pelas ruas largas e floridas da cidade de ouro, como era chamada Praga, não conseguiram abafar a chama de novidades que lhe queimava por dentro. Não conseguia acalmar-se. A encantadora posição natural da cidade, seus maravilhosos monumentos, sua arquitetura gótica, seus extensos jardins, não conseguiram abrandar sua agressividade.

Albert continuou, assim, sem saber o que fazer quanto ao seu destino sentimental. A esposa não só atrapalhava sua vida privada, como o deixava perdido, sem a devida paz de espírito necessária a um trabalho de fôlego como o seu. Parecia até que Mileva era muito mais companheira quando as coisas iam mal, quando ganhava apenas o suficiente para sobreviver, como no período do emprego no Registro de Patentes. Após o sucesso, tornara-se mais azeda, arredia, não lhe dando a mínima importância. E pior, começava a incluir, nesta falta de atenção, também os filhos.

Aos poucos, a situação tornou-se insustentável. Não de era mais segredo que, da forma como se conduziam em casa, a separação dos dois estava próxima e inevitável. Eram duas personalidades diferentes, principalmente em seus objetivos de vida. Ele era calmo, pacífico, paciente; ela nervosa, ativa, extrovertida. Praticamente o casamento agonizava, estava no fim.

A fama de Einstein, entretanto, já se espalhara pelo resto do mundo. Diariamente chegavam-lhe convites para a realização de conferências ou para aceitar este ou aquele cargo em universidades famosas. Entre os convites recebidos, destacava-se aquele do Politécnico de Zurique que, agora, através de uma longa carta cerimoniosa, oferecia-lhe a cátedra de matemática superior. O fato divertiu muito Albert, devido á incoerência dos colegas suíços. Primeiro, pensou, não lhe queriam dar lugar algum. Depois de muitos anos de luta cederam em dar-lhe um lugar de professor de física. Agora acenavam-lhe com a cátedra de matemática superior, uma verdadeira honra para qualquer professor. 

- Você viu, Mileva? Me querem de volta ao Poli-técnico.
- Grande coisa! Assim vão te humilhar ainda mais...
- Não, não entendeu, Mileva! Me oferecem a cátedra de matemática superior.
- E daí?

A oportunidade de uma nova viagem, todavia, marcou uma espécie de pausa nas brigas quotidianas do casal, brigas em que os vizinhos ouviam somente a voz aguda de Mileva. Arrumaram as malas para a viagem de volta. E em 1913 Albert reintegrou-se ao corpo do Politécnico de Zurique. A paciência com Mileva, porém, estava esgotada. De volta à cidade suíça, enfrentou o assunto com a esposa de maneira definitiva.

- Nós tentamos, Mileva! — ele disse.
- Tentamos o quê? — gritou-lhe a esposa em resposta. - Tentamos viver fechados o tempo todo numa casa escura, malcheirosa devida a seus charutos, cuidando todo o dia das crianças. Isso tentamos!
- Eu sei o que você pensa de nosso casamento, Mileva!
- Sabe? Se sabe nunca demonstrou saber!
- É melhor ... é melhor nos separarmos, Mileva!
- Também acho. Já aturei demais seus charutos, seu violino, suas equações, seus livros, seus amigos, as esposas de seus amigos e tudo o que você representa! 
- Poderíamos solucionar o caso sem recorrer à agressividade, não acha? 
- Por quê? O grande cientista esta magoado? 
- Estou apenas cansado, Mileva. 
- E eu? O que deveria dizer eu? Eu estava acostumada a sair à noite, estava acostumada a me divertir, a ter amigos alegres . . . O que consegui com o casamento? Uma vida apertada, dois filhos para cuidar e um marido que só pensa em estudar e soltar teorias malucas que os outros aplaudem sem entender! 
Pegou uma revista que estava em cima da mesa e a jogou para Albert. Leia, leia . — gritou-lhe. — Veja se vale a pena bolar coisas que os outros não entendem. 

Ele pegou o jornal um pouco surpreso. 
- Está vendo como gozam de suas teorias? — continuou Mileva. — Poucas pessoas, em todo o mundo, entenderam o que você fez ... 
- E isso é minha culpa? — ele disse baixinho. Abriu a revista. Na página indicada por Mileva havia um epigrama satírico sobre a Teoria da Relatividade, com referência à dilação do tempo. "Havia uma moça chamada Luzente que andando com a luz ia sempre na frente. Um dia saiu da cidade com a Relatividade e à noite anterior regressara contente!" 
Albert sorriu. 
- Sabe o que isso significa, Mileva? Significa que minha teoria está sendo discutida e comentada ainda que não entendida... 

Aquela mesma noite, Albert mudou-se para uma pensão, abandonando Mileva e iniciando, no dia seguinte, o processo de divórcio. O capítulo da Mileva da alegre risada estava definitivamente encerrado. O antigo amor sepultado debaixo de longos e penosos anos de insolência, descaso, incompreensão e sarcasmo. Adeus, Mileva! Uma equação errada que precisava ser apagada e esquecida! 

Seis meses após sua volta a Zurique, Einstein recebeu a visita de Max Planck, o famoso físico alemão, que e convidou para lecionar na Universidade de Berlim e a assumir, em nome do kaiser Guilherme, a direção do Instituto de Física Alemã e uma cadeira na Academia de Ciências da Prússia. O convite deixou Einstein um pouco confuso e muito alegre. Não sabia se aceitar ou recusar. Depois pensou que retornando para a Alemanha, principalmente Berlim, poderia ficar com seu velho tio Jakob, o qual já tinha voltado para a capital deixando herr Hermann na Itália. A possibilidade de rever o tio, de agradecê-lo pela primeira explicarão de, teorema de Pitágoras que tanto mudara sua via,acendeu-lhe uma chama nova de esperança. 

Alguns professores amigos procuraram demovê-lo de sua decisão, chamando-lhe a atenção para os prenúncios sombrios de uma guerra, baseados no espirito guerreiro da nova Alemanha. 

- Não o estão convidando só para glorificá-lo, A,- bert! Pode até ser uma cilada. Ganharás as honras, mas também o obrigarão a servir uma poderosa máquina de guerra. Einstein ficou assustado e apreensivo. 
- Mas eu nada tenho com guerras! Se isso for verdade, retornarei imediatamente. Nunca abandonarei minha fé no movimento pacifista, única forma de nos sentirmos realmente humanos! 

O mesmo Romain Rolland, o célebre escritor e pacifista suíço, muito bem informado do que acontecia em Berlim, procurou adverti-lo. 

- Herr professor, cuidado com este convite. A Alemanha pretende iniciar a guerra e todas as honrarias que estão a seu dispor me parecem um tanto capciosas. Procure não aceitar a cidadania alemã, senão será obrigado a cumprir as ordens do kaiser sob pena de ser considerado um traidor... 

- Agradeço-lhe a preocupação com meu destino, caro amigo! — respondeu-lhe calmamente Einstein. - Mas para os alemães eu serei sempre um judeu. Por isso, continuarei sendo cidadão suíço. 

Era a primavera de 1914. Agora, todos os desejos de Albert pareciam satisfeitos. Além de receber todos aqueles títulos, poderia trabalhar em paz. Seus deveres de professor estavam reduzidos ao mínimo, dando-lhe a necessária independência que as investigações científicas lhe exigiam. Reencetou seus trabalhos. Chegara à conclusão de que seu elemento era a teoria pura, multo mais do que a experimentação. A relatividade era uma concepção exata do universo, mas Albert queria agora realizar a Teoria Geral da Relatividade, um ensaio ambicioso, mas que teria que ser feito. Seu primeiro trabalho fora apenas uma síntese. Com lógica inflexível, Einstein teria agora que prosseguir  até às últimas conseqüências, unindo aos conhecimentos acumulados sua visão imaginativa de novas possíveis conquistas, de maneira a pre-figurar o delineamento de partes ainda inexploradas da natureza. A Relatividade Restrita só era válida para movimentos retilíneos uniformes. Cumpria agora provar que todo movimento era relativo. Sua nova proposta era criar uma Teoria Geral da Relatividade que abarcasse todo o reino da física. 

Em Berlim reencontrou o tio e a prima Elza, a mesma atmosfera tranquila da família em Munique. Elza, viúva ainda jovem, era agora uma mulher meiga e experiente, não mais a menininha enfadonha que, em suas lembranças, procurava evitar no pequeno jardim comum da casa da Baviera. Aprendeu a passar suas noites conversando com a prima, trabalhando ao desenvolvimento de suas novas Idéias, tocando de vez em quando seu velho e inesquecível violino. 

Um dia, logo no começo de seu trabalho, como diretor do Instituto de Física, apresentaram-lhe um documento belicista para que o subscrevesse. Recusou-se a fazê-lo. Pacifista por convicção, negou-se a aprovar o manifesto. 

-Professor Einstein, mas a Alemanha precisa de seu apoio! 
- Senhor — respondeu Albert com veemência - eu não assinarei esse documento. O que ele representa é apenas a derrota da independência intelectual da Alemanha! 

O fato, aparentemente sem graves conseqüências, irritou os outros professores, despeitados de sua glória e embevecidos de anti-semitismo. Einstein mesmo começou a perceber essa nova onda que se alastrava sobre a Alemanha quando, durante as sessões da Academia Prussiana, seus colegas, demonstrando-lhe uma patente hostilidade, começaram a deixar as cadeiras ao seu redor completamente vazias Era como se o grande descobridor da física atômica sofresse de algum mal incurável e contagioso, pois ninguém lhe chegava perto. Ficou isolado, quase um pária da academia.  Mas nem por isso faltou às sessões.. Procurou não demonstrar medo ou vergonha. Já estava calejado de tanta desumanidade e desamor. Procurou até fingir que nada tivesse acontecido.
Mas essa sua reação às ofensas enfureceu ainda mais os ofensores. 

Einstein procurava recuperar a paz de espirito em casa, no seio da família do tio Jakob. Elza era a salvação em meio a tanta idiotice política e racista. Depois de um ano instalado em Berlim, Albert percebeu que a prima era uma mulher dócil, afável, sempre pronta a ajudá-lo. E começou a gostar dela de maneira diferente. Não era o grande amor envolvente e perturbador experimentado em Zurique com Mileva, mas um amor plácido e calmo, feito de afinidades e compreensão. Depois de alguns meses de namoro, Albert pediu-lhe a mão. O tio ficou feliz, pois ele era o sobrinho predileto desde os tempos de Munique. O velho Jakob viveu assim seu momento de glória, especialmente agora que podia gritar ao mundo todo o gênio do genro e sobrinho. 

- Quando casaremos, Elza? — perguntava-lhe Albert durante as longas noites frias de inverno, enquanto o tio Jakob dormia em sua poltrona favorita, perto do fogo, fingindo ler o jornal. 
- Não sei, não! —respondia-lhe Elza sorrindo. —Existem muitos problemas. 
- Que problemas? 
- Acha fácil, por acaso, ser esposa de um gênio? 

O casamento realizou-se no fim de 1914. Elza sabia cuidar da casa, gostava dos afazeres domésticos, gostava de crianças. Passou a cuidar de seu gênio com amor e carinho. Desde o início foi um casamento feliz para ambos. Era o que Albert precisava. Alguém que o ajudasse e o incentivasse. As vezes, que o protegesse. Elza deixava-lhe o tempo necessário para os estudos, tomando a si as pequenas tarefas do dia-a-dia que poderiam atra-palhá-lo. Gostava de lembrar-lhe das coisas corriqueiras, tais como levar o guarda-chuva quando chovia ou impedi-lo de sair de pijama para assistir a uma sessão solene da academia. 

Elza sabia também deixá-lo sozinho, quando necessário. Sabia silenciar e evitar ruídos. Percebia quando o marido trabalhava em seus projetos, quando a ausência de qualquer barulho poderia ajudá-lo a resolver ou a desenvolver uma ideia. Mas a paz da vida familiar estava ameaçada pelos acontecimentos. A Primeira Guerra Mundial estava às portas. A Europa estremecia, sacudida pelo vento intolerante do ódio, da morte, do descaso pela vida humana. O espírito guerreiro da velha Alemanha ressurgia, projetava sua sombra sinistra sobre o mundo. Com seu passo cadenciado e marcial, as botas dos soldados abafavam os últimos lânguidos suspiros da Belle Époque, o romanticismo exalava seu último respiro no fundo lamacento das trincheiras, as metralhadoras entoavam os novos cantos sobrepujando e calando as melodias dos cafés-concertos e das luxuosas noites da Ópera. Onde estava o mundo sonhado por Einstein? 

Fechado em seu próprio mundo, entre a poesia do universo resumida e revelada em equações e a doçura tranquila e terna de Elza, o gênio de Ulm aprontava sua teoria, escavava em profundidade até às raízes do conhecido, aprofundava-se ainda mais no desconhecido, guiado apenas por sua intuição. Conforme prometera a Rolland, recusara-se a tornar-se cidadão alemão. 

Em 1916, enquanto alemães, franceses, italianos, ingleses, americanos, austríacos e húngaros matavam-se mutuamente em nome de uma paz desconhecida e não identificada, Albert publicava finalmente seu novo trabalho, a Teoria da Relatividade Geral. Mais um passo além de Newton! A nova teoria abrangia todo o domínio da física, dando-lhe um novo critério dos fenômenos gravitacionais, explorando caminhos até então desconhecidos e nunca imaginados. Sua nova obra colocava em ordem o domínio da física. Sua qualidade principal era uma coerência lógica que só podia ser expressada por meio da linguagem matemática. Matéria, eletricidade, radiação e energia, tudo estava incluído. Einstein demolia, agora, a barreira que separava a matéria da energia, fornecendo a fórmula para sua transformação. 

Um dos fatos marcantes da nova teoria referia-se à curvatura da luz. Einstein afirmava que a massa do Sol devia curvar o espaço vizinho, de modo que a luz de uma estrela, ao atravessar este espaço, sofria também uma curvatura. Calculando a flexão de um raio luminoso desviado pelo Sol, chegava-se à conclusão de que ela era duas vezes maior do que a indicada pela teoria de Newton. Sem qualquer ajuda, Albert tinha levado a cabo os cálculos matemáticos necessários para a comprovação dessa descoberta, chegando à conclusão de que a flexão era de 1,75 segundos de arco. A exatidão dos cálculos de seria comprovada, porém, somente no dia 29 de maio de 1919, e confirmada em setembro de 1922, durante dois eclipses totais de Sol. 

Devido à publicação da nova teoria, apesar da guerra que incendiava a Europa, o nome de Einstein tornou-se ainda mais conhecido e requisitado para conferências. Mas sua sinceridade não sofreu alterações. Em muitas ocasiões a guerra obrigou-o a condenar a atitude da Alemanha, o que lhe valeu ainda mais o ódio de seus colegas anti-semitas. Em suas conferências, Albert fazia questão de chamar a atenção do mundo para a paz, apoiando todo movimento destinado a dar ao homem a sua verdadeira condição de ser racional. Estava sempre contra a guerra, fosse qual fosse! Odiava ver a juventude correr para a morte, não lhe parecia próprio da espécie humana! 

Com suas reações ao militarismo, conseguiu apenas somar mais inimigos, especialmente entre os alemães anti-semitas que, em 1918, quando a Alemanha foi obrigada à rendição pelos exércitos aliados, culparam os judeus pela derrota. As perseguições, assim, foram aumentando, juntamente com as humilhações. 

Logo após a guerra, entre uma conferência e outra, Einstein recomeçou suas pesquisas de laboratório, tornando-se cada vez mais franciscano, mais praticante da ascese científica. Pouco ou nada lhe importava do dinheiro e da fama. Submergiu-se em suas teorias. Nem bem terminava uma, preocupava-se já com outra proposição. Trabalhava sem descanso, enquanto seus inimigos procuravam incitar uma campanha pública de difamação contra ele, acusando-o de ser comunista. Nem se importou com a nova acusação, nem procurou desmenti-la. Continuou tranquilamente a defender sua teoria e a explicá-la de maneira acessível e prática, embora isso fosse quase impossível. Os convites para a realização de conferências pingavam de todos os lados, e ele aproveitou-se disso para correr um pouco pelo mundo afora, para satisfazer parcialmente sua alma de nômade. 

Uma noite, em Viena, o auditório mostrava-se um tanto cético, embora atento. Einstein, então, procurou dramatizar sua explanação. 

- Vou bater duas vezes nesta mesa! — então ele gritou de repente. E dizendo isso, deu dois murros na mesa, com toda a sua força. O auditório continuou em silêncio. 
- Vocês acreditam que dois corpos, em dois momentos diferentes, são levados a bater no mesmo ponto, não o verdade? — perguntou. 
O silêncio continuou afirmativo. 

- Muito bem. Naturalmente, vocês sabem que esta mesa sobre a qual falamos está sobre a Terra, portanto se move no espaço juntamente com ela. Em primeiro lugar. porque o mundo gira sobre seu eixo e, depois, porque gira ao redor do Sol; e ainda mais: porque o mesmo sistema solar se move no espaço. Percebem, agora, por que é errado dizer que dois corpos atingem o mesmo ponto em dois momentos diferentes? 
O silêncio continuou. E ele prosseguiu sua explicação, agora com voz professoral. 

- A identidade do ponto é somente relativa em sentido absoluto, pois deveremos anular a medida do tempo para que os dois corpos possam tocar o mesmo ponto no espaço simultaneamente. Vejam, portanto, que a identidade dos dois pontos só é possível quando a medida do tempo é absolutamente anulada; e que o espaço é, portanto, relativo ao tempo. Mas também é verdade o contrário. Não se tem identidade de tempo se não cessa de existir o fator espaço. A simultaneidade dos dois eventos é puramente relativa. 
Algumas risadinhas nervosas ouviram-se na sala. 

Einstein continuou: 
- Por exemplo, suponham que em dois pontos equidistantes de vocês sejam acesas duas lâmpadas. Provavelmente, dirão que, como a luz se propaga numa velocidade uniforme e os dois pontos são equidistantes, as luzes se acenderão simultaneamente. Fez uma pausa de efeito. 

- Mas vocês e os dois pontos luminosos estavam, por acaso, imóveis no momento em que a luz refletiu em seus olhos? Outro silêncio. Uma longa olhada ao auditório agora já dominado. 

- Certamente que não! — concluiu Einstein. — Pois a Terra não é imóvel. Portanto o que vocês pensaram ver simultaneamente, não aconteceu simultaneamente. Nos dias seguintes, um empresário inglês fez-lhe um convite, por via telegráfica, para uma série de conferências em Londres, garantindo-lhe três semanas de lotação esgotada. Einstein nem sequer se deu ao trabalho de responder. Não era próprio do cientista ganhar dinheiro com suas descobertas! Continuava a viver pobremente, vestindo-se mal, mais por distração do que por motivos de elegância, apesar de muitas vezes possuir o dinheiro necessário para reformar seu guarda-roupa. Sua distração, para Elza, era motivo de hilaridade. Perdido em meio às suas equações, Albert saía de casa, para importantes reuniões no Instituto de Física ou na Academia de Ciências, à última hora, correndo como um louco pela rua. Elza ria, divertindo-se muito com as maluquices do marido, vendo-o com seu cabelo comprido e revolto e de pijama, correr pela casa em direção à porta, com quatro ou cinco livros debaixo do braço. Interessada em não modificar-lhe a vida, procurava remendar suas calças, sempre lhe chamando a atenção para a compra de umas roupas novas. A resposta que recebia era sempre a mesma: "Não há tempo para tanto!" 


Capítulo 6 - Os anos do Nazismo

O ano de 1921 foi pródigo de sucessos para Einstein. O seu nome foi indicado para o Prêmio Nobel de Física; um convite que o alegrou muito chegou-lhe dos Estados Unidos, onde o esperavam para um ciclo de conferências nas maiores universidades do país; e uma expedição científica inglesa deslocou-se especialmente para Porto Príncipe, uma pequena e solitária co orna portuguesa da Guiné, para observar o eclipse total do Sol e comprovar, assim, a teoria da curvatura da luz no espaço quando um raio luminoso encontrava um campo gravitacional. O livro com os resultados da expedição seria publicado somente em 1922, e esgotaria-se em Londres e Nova York em poucos dias, como se fosse um romance raro.

O anúncio do Prêmio Nobel não o encontrou desprevenido. Já imaginara que isso aconteceria, pois, em toda sua humildade, estava também consciente do valor de suas descobertas. O Prêmio Nobel era a única honraria que lhe faltava para que uma nova campanha de intrigas pessoais e de ódio se desencadeasse contra ele na Alemanha. Ninguém poderia pôr em dúvida sua capacidade intelectual, por isso as críticas eram endereçadas ao seu caráter e à sua ascendência judaica.

Enquanto colecionava títulos e criava teorias originais, tornava-se cada vez mais odiado pelos colegas, que lhe reprovavam o fato de nunca ter aceito a cidadania alemã, nem assinado os diversos manifestos de apoio à política belicista do kaiser, durante a Primeira Guerra Mundial. Isso, para um homem que ocupava o cargo de diretor do Instituto de Física, de professor na Universidade de Berlim e de membro da Academia Prussiana, era, segundo seus denegridores, simplesmente absurdo! E o fato de ser judeu, piorava a situação. O racismo, já latente durante o império do kaiser Guilherme, agora tinha encontrado mais adeptos, devido às dificuldades em que a República de Weimar, sucessora do império esmagado pelos aliados, estava mergulhada. Os judeus, de fato, eram apontados publicamente como os principais culpados da grave crise que, em 1922, tinha começado a assolar o país.

Albert, todavia, continuou em seu trabalho com calma e tranqüilidade, dividindo seu tempo entre a universidade e a casa. O prêmio em dinheiro ganho através do Nobel, que daria para resolver de vez seus problemas financeiros, ele o repartiu entre Mileva e obras de caridade. Ninguém entendeu seu gesto, com exceção de Elza.

Durante a primavera e o verão de 1923, na cervejaria Torbrãu de Munique, um grupo de pessoas violentas, farristas e briguentas criou a "nova religião alemã', baseada nas idéias alucinantes de um fanático de bigodinhos apenas pintados. Esse grupo, chamado Sturm Abtei-lungen (SA), tinha como credo político o extermínio dos judeus. Eu creio de agir conforme a vontade do Criador Todo-Poderoso. Defendendo-me dos judeus, luto para a obra do Senhor! Quando aparecia um bode-expiatório —e Einstein, pela posição que ocupava, era prato predileto desse novo tipo de fanatismo! — os SA do Partido Nacional Socialista, já em embrião, não o poupavam, mas ensaiavam os métodos desumanos e bárbaros que os caracterizaria durante a Segunda Guerra Mundial.

Einstein começou a receber cartas anônimas com ameaças terríveis. Ele as lia tranquilamente, ligeiramente enojado; mas Elza começou a ficar apavorada. As mensagens falavam em traidor, espião, e acusavam explicitamente Albert de pertencer ao partido comunista.

O nacionalismo exacerbado dos alemães, entretanto, continuava em ascensão, insuflado pela propaganda do Partido Nacional Socialista que encontrava sempre novos adeptos. Einstein, sempre que podia, tentava demonstrar a seus colegas que o mundo não poderia ser construído com matanças e falsos patriotismos. "Os verdadeiros patriotas — disse certa vez — são aqueles que trabalham para uma vida mais humana, convivendo pacificamente com seus semelhantes, respeitando todas as ideologias e os povos estrangeiros." Aos poucos, tornou-se  uma espécie de consciência da intelectualidade alemã. Era a verdade que doía, mas que sempre se fazia presente quando necessária. Não recuava de suas idéias, nem as escondia. Os inimigos não lhe encontravam vícios, nem mesmo fraquezas morais. Seus gostos continuavam sendo os mesmos, simples e baratos. Além da música, que sempre lhe descansava a cabeça dos cálculos matemáticos, Albert gostava muito de velejar. Sempre que podia ficava à beira do rio Havel, próximo de Berlim, passando horas agradáveis em companhia de Elza. Eram os piqueniques tranquilos e simplórios do velho gênio. Estar em contato com a natureza era uma de suas maiores aspirações, longe do burburinho e das intrigas palacianas da universidade e de Berlim em geral.

Por isso tudo, seus inimigos tinham que apelar para a sua condição de não-alemão, criando histórias fantásticas e inverídicas sobre seu comunismo e suas viagens a Moscou. Era vingança dos medíocres contra a inteligência. Mas Einstein estava acostumado a tais hostilidades e invejas. "Há muitas espécies de homens que se dedicam à ciência — disse em certa ocasião — mas nem todos por amor à ciência." Segundo seu conceito, alguns entravam no templo da ciência somente para exibir seus talentos especiais; outros para oferecerem seus cérebros à ciência, movidos apenas pela esperança de compensações financeiras. "Estes são os cientistas por acaso. Se fossem expulsos do templo da ciência, o templo ficaria quase vazio, pois são poucos aqueles que se dedicam à ciência por amor, sem nada lhe pedir em troca!" Essa declaração, naturalmente, aumentou o número de seus inimigos no meio universitário. Ele pouco se importou. Entre uma conferência e outra continuou a pesquisar, a ampliar seus conhecimentos, a esticar sua intuição. Enquanto o mundo todo procurava digerir a Teoria da Relatividade Generalizada, ele começou a longa procura de algo muito superior, a Teoria do Campo Unificado, uma síntese das primeiras duas obras e que abrangia a tentativa de uma fusão entre as concepções do eletromagnetismo e da gravitação.

Ihr Sterne seid uns Zeugen, / Die ruhig nieders-chaum: / Wenn alle Brüder schweigen / Und falschen Gützen traun, / Wir woll'n das Wort nicht brechen / Nicht Buben werden gleich, / Woll'n predigen und sprechen / Vom heil'gen deutschen Reich — cantavam os jovens alemães ao som profundo e marcial dos tambores. (Vocês, estrelas, sois testemunhas / que nos olham do alto: /se todos os irmãos silenciam /e confiam nos falsos ídolos, nós não queremos faltar à nossa palavra / nem nos tornarmos patifes; / falar do sagrado império alemão.) O sagrado império alemão não compreendia, porém, os judeus. Piquetes armados corriam à noite pelas ruas escuras da capital, incendiando, matando, pilhando.

Elza ficou com medo. Insistiu com Albert para que realizasse aquela viagem já programada à América Latina e ficar, assim, um pouco longe do clima pré-revolucionário que se instaurara em Berlim. Albert, concordou aos poucos, e assim, no fim de abril de 1925, embarcou para o Brasil. Estava sozinho, pois Elza não pôde acompanhá-lo por motivos familiares. Os dias passados a bordo do navio "Valdivia”, de certo modo, o acalmaram, pois o mar exercia sobre ele um efeito tranquilizador. O desembarque, no Rio de Janeiro, deu-se ao 4 de maio de 1925. O presidente Artur Bernardes estava no fim de seu mandato e a cidade encontrava-se naquela agitação característica de véspera de eleição. A viagem do porto ao Hotel Glória, onde hospedou-se, o deixou admirado. Pela primeira vez estava em contato com um povo sul-americano, com sua alegria e sua confusão. O tricoto de Washington Luis, que seria eleito no dia seguinte presidente do Brasil pelo quadriênio 1926-1930, acompanhou-o durante todo o trajeto: nos postes enfeitados, nas longas faixas estendidas sobre a avenida Rio Branco, nas vitrinas brilhantes.

Sua primeira visita, no dia seguinte, foi reservado ao Pão de Açúcar. Tinha 46 anos, mas a curta viagem de bondinho até o topo de pedra deixou- extasiado como a um menino. A deslumbrante visão da baía da Guanabara convenceu-o de que poucas cidades no mundo poderiam igualar-se, em belezas naturais, à cidade carioca. Acompanhado por Roquete Pinto, seu cicerone durante sua estada no Brasil, fez também questão de visitar o Corcovado e todas as praias da Guanabara.

- Maravilhoso! - dizia. Seus olhos cansados encheram-se novamente de luz e de sol, o calor do verão carioca deu-lhe uma nova sensação. Nos dias seguintes, como convidado de honra do governo brasileiro, visitou o Jardim Botânico, o Instituo Oswaldo Cruz e a Escola de Engenharia. Na Academia Brasileira de Ciências e no Clube de Engenharia proferiu duas palavras sua famosa teoria. No Museu Nacional, além de Roquete Pinto que naquela época era diretor do instituto, foi recebido também pelo naturalista Alípio de Miranda Ribeiro.

Os brasileiros que conviveram com ele naqueles poucos dias, notaram-lhe a simplicidade cativante e a alegria constante. Foi notado também seu senso crítico e quase humorístico, principalmente durante a ocasião de uma foto histórica programada, como de costume, nas escadarias do Museu Nacional.

Quando o grupo se reuniu para ser fotografado, os curiosos que passavam pela avenida Rio Branco notaram que o único homem vestido com um terno leve de linho branco, isto é, de acordo com o calor sufocante do dia, era aquele homenzinho baixo e bigodudo, enquanto que todos os outros pareciam derreter-se dentro de seus ternos pretos e sufocantes de casimira inglesa e colarinho duro. A presença de Einstein no Rio foi pouco comentada pela imprensa carioca. O Rio de Janeiro daquela época era provinciano demais para reconhecer a importância do descobridor e tributar-lhe as devidas honrarias.

Poucos cientistas brasileiros estavam a par da Teoria da Relatividade. E entre esses poucos, quase ninguém ainda a havia compreendido perfeitamente. O curto período passado no Rio foi, para Einstein, quase um sonho. Acordou de repente quando voltou para a Alemanha.

Durante sua ausência, a agitação social tinha aumentado. As acusações e os insultos aos judeus tinham continuado com mais veemência. Todos os dias, os jornais continham algum artigo difamatório contra ele e contra os judeus em geral.

- Creio que a nação deveria dar mais atenção a esses espertos e vigilantes cidadãos — comentou ele ironicamente, um dia, com um jornalista estrangeiro —, pois o Capitólio de Roma foi salvo, certa vez, pelo  cacarejarde seus fiéis gansos!

Mas o cacarejar transformava-se, dia a dia, nurn coro feroz onde sobrepujava a voz estrídula, fanática e convincente do novo líder da Alemanha Um homenzinho de olhos brilhantes, astucioso e envolvente, chamado Adolf Hitler.

Einstein já ouvira falar desse homem, mas não acreditava muito em sua ascensão ao poder. Apesar de tudo, estava convencido de que a intelectualidade alemã, à última hora, cortasse as asas do perigoso homem político. Os partidários de uma Alemanha líder da Europa, do germanismo levado às extremas conseqüências, começavam, porém, a aplaudir aquele jovem fanático que conseguia atrair moços e velhos burgueses com suas teses de ordem, de força, de pureza social. Os estudantes de arquitetura, por exemplo, liderados pelo grande mestre Tessenov, tinham aderido quase que totalmente ao novo movimento. Era o que Hitler precisava: o apoio dos professores nas faculdades. Enquanto esbravejava contra os costumes e a moral que decaíam nas grandes cidades, ameaçando a substância biológica do povo, ele apresentava a todos um partido político bem estruturado, obediente, organizado como exemplo da Alemanha que pretendia construir sobre as ruínas caóticas da República de Weimar. A mocidade estudantil, que procurava seus ideais de preferência nos setores radicais mais extremados e extremistas, ficou entusiasmada com suas idéias. E de uma hora para outra, subitamente, as fileiras do novo movimento começaram a se engrossar, tornando o Partido Nacional Socialista mais forte, robusto e agressivo.

Einstein, em seu laboratório, evitava comentar os últimos acontecimentos. Algo, porém, lhe dizia que o futuro estava sombrio, indesejável. Hitler não inspirava ainda cuidados especiais aos intelectuais da época, pois era considerado por eles um homem de escassa cultura. Ninguém se lembrava das palavras de Tessenov: "Os intelectuais complicam tudo — dissera ele certa vez. —Mas aparecerá alguém que pense de modo simples, um homem inculto, sem bases, para solucionar nossos problemas de uma forma bem mais fácil, por não ter sido corrompido pelas idéias intelectualizadas". O homens inculto, agora, estava lá, à testa do movimento, coto todo seu poder de imantação, uma oratória ágil e agressiva, urna demagogia inteligente que se aproveitava de cada auditório para dar de si uma imagem diferente e ade-quada. Para o povo, Hitler esbravejava, gritava, tornava-se colérico, exigindo aos altos brados uma definição u alemã do universo; para os intelectuais, citava a história, era comedido, não elevava a voz, procurava sempre a coerência e a lógica de pensamento. Os próprios inimigos de Hitler não sabiam o quanto o ajudavam, considerando-o um político transitório, sem base de sustentação. Ele aparecia a um comício arrogante, insolente, destru-dor: "Quem não possui a coragem de afundar sua arma no coração do inimigo, nunca será capacitado para guiar seu povo na dura batalha do destino!' No dia seguinte, apresentava-se a uma reunião de intelectuais à paisana, calmo, equilibrado, raciocinando sobre o futuro da Alemanha em termos comedidos e até tradicionais.

Assim, aos poucos, também os intelectuais começaram a ser envolvidos por sua estratégia. Os professores mais relutantes, nas faculdades, foram obrigados a uma definição, não por parte do governo, mas pelos próprios alunos que, ainda confusos a respeito das novas idéias, exigiam deles uma explicação. As aulas das universidades tornaram-se, assim, sede de comícios tumultuados e pré-revolucionários.

Einstein continuava, entretanto, a trabalhar no silêncio de sua sala. A época não era propícia para dar opiniões. Havia no ar uma loucura geral, uma paranoia popular, uma neurose alucinante chamada falsamente de patriotismo. Muitos colegas não mais paravam para cumprimentá-lo, ostentando um ar de superioridade imbecil pelo simples fato de não serem judeus. O pesadelo voltava. Einstein via a Alemanha caminhar com passo de militar, as bandas de música e o chamariz das marchas militares condenarem o povo a unia guerra inexistente.

Como sempre acontecia nessas ocasiões, Elza ficava em polvorosa, apavorada com o destino do marido. O anti-semitismo aumentava gradativamente, conforme o acréscimo de membros do Partido Nacional Socialista. Einstein começou até a receber impropérios na rua, cartas de ameaças, ofensas de colegas.

Em 1929, quando comemorou os cinquenta anos de idade, os ambientes científicos comemoraram também os 25 anos do aparecimento da Teoria da Relatividade Restrita. Telegramas de felicitações começaram a chegar-lhe de todas as partes do mundo. Muitos estavam endereçados à prefeitura de Berlim, alguns até para o governo da Alemanha. Eram singelos e formais telegramas agradecimento ao sábio e à cidade que o hospedava, pelo progresso científico do mundo graças às suas descobertas.  Entre os presentes recebidos, o que mais comoveu Albert e Elza foi uma caixinha de fumo para cachimbo. O doador desculpava-se pela insignificância do presente, dizendo não dispor de meios para mandar-lhe coisa melhor. Mas o presente que mais o deixou alegre foi aquele concedido pela prefeitura de Berlim, que achou-se na obrigação de presenteá-lo com algo.

Um dos conselheiros lembrou-se de que Albert gostava de passar seus fins de semana às margens do rio Havel, pescando ou velejando. O Conselho resolveu, então, dar-lhe de presente uma pequena vivenda às margens de rio, para que Einstein pudesse desfrutar folgadamente de seus raros feriados.

Ele recebeu o presente com emoção, mas quando chegou na casa doada, verificou que ela estava ocupada. Tinha havido um engano da prefeitura de Berlim. O conselho municipal se desculpou, deu nova casa. Aconteceu a mesma coisa. O fato entrou no domínio público, todo mundo ria da prefeitura. Inventaram-se piadas a respeito. Músicas eram cantadas. Se alguém queria prometer algo inexistente, dizia: "Te darei a casa do Einstein". Finalmente, parece que acharam algo sem proprietário. Mas o Partido Nacional Socialista embargou a doação. Queria saber os méritos de Einstein para ganhar aquele presente. Foi então que o mundo começou a rir. Então, Einstein escreveu uma carta, agradecendo a intenção amigável, mas declinando do presente. E com suas próprias economias, comprou um terreno e construiu uma casa, no vilarejo de Caputh.

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